Repressão mostra que o jornalismo incomoda e está no caminho certo
Edição 98: Liberdades em risco + o bom jornalismo resiste + dossiê sobre desinformação
Olá, assinante!
Está faltando notícia boa, né? Recordes de mortes por Covid-19, economia patinando, política que embrulha o estômago… Ingredientes para um espesso caldo de chorume no noticiário. O mais fácil é desistir de se informar, mas fala sério: você consegue?
Parece que as notícias estão te envenenando, mas não é isso não. É mais complicado. Informar-se é fundamental para perceber que lugar estamos ocupando no mundo, e a partir dele, trabalhar pra mudá-lo, se for o caso. Exige estômago e nervos de aço.
Como tiveram os repórteres Schirlei Alves e Hyury Potter, que contam esta revoltante história de truculência policial em Santa Catarina. Ao final da reportagem, The Intercept Brasil explica aos leitores por que decidiu mostrar os rostos das vítimas, contrariando uma regra editorial. A justificativa é corajosa e rediscute parâmetros éticos, mostrando que a equipe não se deixou engessar pelos manuais deontológicos.
Está faltando notícia boa, mas não tem faltado bom jornalismo.
CALA A BOCA!
O bom jornalismo incomoda e temos razões de sobra para acreditar que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão sendo atropeladas diariamente.
Acumulam-se os casos de agressões a jornalistas em serviço. Os mais recentes foram em Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pará, mostra a newsletter da Abraji.
O ministro da Justiça, André Mendonça, tem usado a Lei de Segurança Nacional para acossar jornalistas, professores e qualquer pessoa que critique o governo.
Já são mais de 200 intimações do tipo, segundo levantamento dos advogados liderados por Felipe Neto, o youtuber que também é alvo da ofensiva.
O ministro das Comunicações, Fabio Faria, quer entregar a EBC pra a degola das privatizações. O governo quer canais estatais, não comunicação pública. Em carta aberta, trabalhadores explicam por que não se deve vender a EBC.
Tem sido comum na América Latina coletivas com autoridades em que repórteres são impedidos de perguntar, informa a LatAM Journalism Review.
VEM CALAR!
Apesar dos achaques e dos ataques, o bom jornalismo resiste e insiste. Quer ver?
Repórteres do UOL mostraram bem desenhadinho que as rachadinhas são uma tradição familiar.
Já o time do Lição de Casa produziu o especial Sem Recreio, que mostra crianças excluídas do ensino remoto e que foram empurradas para o trabalho infantil.
Vaza Jato, a série de reportagens do The Intercept Brasil, pode levar à anulação definitiva das condenações de Lula em Curitiba. Ontem mesmo, o STF considerou Sergio Moro por ter agido como juiz parcial. É o bom jornalismo ajudando a reescrever a história política do Brasil…
É DE CASA
A vida anda corrida e você não conseguiu passar no objETHOS para ver nossas novidades. Não tem problema! Silvia Meirelles Leite fala das armadilhas do jornalismo declaratório, e Mariane Nave escreve sobre SEO, jornalismo e tecnologia. Além disso, nossos pesquisadores participam de eventos no Brasil e fora.
RADAR
Neste Radar, trazemos um dossiê novinho em folha da Eptic. Os artigos giram em torno da economia política da desinformação, mas você também encontra outros temas na seção livre aqui.
Três destaques chamaram a nossa atenção:
Denunciar a falha moral de plataformas que hospedam discursos de ódio é uma das principais táticas do Sleeping Giants. Diferente de um boicote focado no consumo, o movimento ataca a imagem de mídia de marcas por meio do constrangimento público. Só que para por aí. Arthur Bezerra e Juliano Borges consideram que a crítica dos gigantes adormecidos não mexe na infraestrutura de vigilância responsável por sustentar economicamente esses conteúdos.
Medidas tomadas pelo Facebook e Whatsapp no combate à desinformação durante a pandemia são importantes, claro. Mas insuficientes, lembram Luciana Costa, Lizete da Nóbrega e Carolina Maia, já que a viralização de informações falsas é parte do próprio modelo de negócio das plataformas. Talvez isso explique a falta de transparência sobre critérios para remoção de conteúdo...
Pra finalizar, o ensaio de Afonso Albuquerque sugere que diferentes atores (setores do governo e judiciário, instituições acadêmicas, agências de fact checking e seus financiadores) mobilizam um conceito de verdade tecnocrática, corporativa e antipartidária, que é avessa a “qualquer alternativa que se apresente ao neoliberalismo, à direita e à esquerda”.
DESENGAJAMENTO MORAL
Displicência e acomodação. Sabe como foi a cobertura da posse de Jair Bolsonaro em diferentes jornais, portais e revistas? Foco apenas em questões político-econômicas, não identificação de fontes e reprodução de abordagens publicadas por outras mídias marcaram o material noticioso, com forte tendência à apuração no estilo “jornalismo sentado”. Análise de Gislene Silva, Terezinha Silva, Daiane Bertasso, Valentina Nunes, Jéssica Gustafson e Diana de Azeredo.
Tribunal midiático. Telespectadores do programa policial Patrulha da Cidade costumam aceitar discursos favoráveis à violência propagados na atração. Processo que os autores Daniel Meirinho e Denise de Carvalho chamam de desengajamento moral, a partir de um estudo de recepção com as audiências.
Jornalismo instrumentalizado. Kjetil Selvika e Jacob Høigilt questionam se é possível trabalhar com independência quando há forte pressão de elites políticas e econômicas nas redações. Por meio de entrevistas em profundidade, o artigo explora diferentes estratégias de resistência utilizadas por jornalistas libaneses.
SECOS & MOLHADOS
Rachel Sheherazade entra com processo contra o SBT. Na concorrência, o embate foi entre Ivan Moré e Globo.
Quatro jornalistas dão dicas para produzir reportagens investigativas sobre a nova extrema direita.
Nenhum jornalista negro lidera jornais, portais ou emissoras brasileiras. Em outros quatro países, a tendência nos cargos de chefia é similar: apenas 15% de 80 editores em grandes veículos não são brancos. Mais dados no relatório do Instituto Reuters.
Reportagem do Núcleo Jornalismo mostra que a remoção de desinformação nas plataformas é mais demorada do que violações por direito autoral.
Como anda a saúde mental dos jornalistas brasileiros durante a pandemia? O equilíbrio emocional é uma preocupação dos profissionais tanto quanto a necessidade de prover informações bem apuradas aos leitores. Soma-se ainda o ambiente cada vez mais hostil e inseguro para o trabalho de repórteres no país.
Por falar em pandemia, a Covid-19 levou o professor Wellington Pereira, da UFPB. A Renoi e o objETHOS lamentaram.
Aliás, a doença mata mais de um jornalista por dia na América Latina.
Em sua coluna no Washington Post, Margaret Sullivan relembra: policiais não podem ser a única fonte de informação em pautas sobre segurança pública.
Devo mostrar minha matéria pra fonte ler antes de publicar? Se você respondeu “não”, talvez seja o caso de ler este texto de Jacob Granger e Nathan Clarke.
Carlos Eduardo Lins da Silva comenta na Rádio USP casos recentes internacionais que estão ardendo na fogueira da ética jornalística.
Na Alemanha, o editor-chefe do jornal mais lido por lá deixou o cargo por investigação de assédio.
Da Colômbia, mais um episódio do podcast do Consultório Ético.
No Peru, o Colégio dos Jornalistas reage à criação do Colégio de Comunicadores.
AGENDE-SE
Escreveu alguma reportagem sobre direitos humanos, desenvolvimento ou democracia? Tem prêmio de jornalismo patrocinado pela Comissão Europeia aguardando a sua inscrição até 18 de abril.
Que tal um apoio financeiro para seu meio independente?
Você pesquisa populismos, desinformação, crise das verdades ou negacionismo científico? O próximo dossiê da Eco-Pós será sobre guerras culturais, com submissão até 10 de junho.
Na mesma seara, bravos estudiosos de teorias da conspiração podem submeter resumo até 1º de maio para a próxima edição do periódico International Journal of Research into New Media Technologies. Thaiane Oliveira, professora da Universidade Federal Fluminense, é uma das editoras do número.
Mas se o seu tema for mídias, comunicação e liberdade de expressão, uma chamada de livro promovida pelo grupo de pesquisa homônimo da Intercom vai te interessar. O texto deve ser enviado até 1º de junho.
Já a revista Rizoma recebe artigos sobre narrativas, mídias e linguagens no mundo pandêmico até 15 de maio. Temas livres também são aceitos!
Chamadas da newsletter passada que ainda estão de pé: 25 de março (amanhã!) é a data limite para textos na Chasqui sobre redes digitais como espelhos sociotécnicos da Iberoamérica. Mesmo prazo da próxima Âncora - Revista Latinoamericana de Jornalismo, com temas livres. Até dia 31 de março você pode submeter textos sobre comunicação e ética. deste mês. No mês seguinte, três dicas: Compós adiou para 5 de abril a data de recebimento dos textos para a próxima edição do evento. No dia seguinte, 6, você ainda poderá enviar propostas ao Congresso Internacional Comunicación y Pensamiento. Youtubers e influenciadores digitais são o tema principal. E em 30 de abril temos o último dia para o dossiê de jornalismo audiovisual da próxima Interin.
Exaustos, mas com a faca nos dentes,
Dairan Paul
e
Rogério Christofoletti
esperam você na próxima edição, em 7 de abril. Mantenha-se bem até lá!
Este a newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.