Afinal, quando poderemos comemorar?
Manchetes infelizes + batalhas nas redes sociais + livros de graça
Alô, assinante!
Esta newsletter tem repetido que fazer jornalismo em tempos de pandemia é um exercício diário de força de vontade e comprometimento profissional. Afinal, dar as piores notícias todos os dias - sem trégua! - devasta também a saúde mental dos jornalistas. Sabemos que alguém tem que fazer o trabalho difícil, e cabe aos jornalistas divulgar as terríveis estatísticas e noticiar a incapacidade geral no combate à Covid-19.
Às vezes, alguém erra no tom, o que é compreensível. Acontece.
Inaceitável é quando o jornalismo se nega a enxergar os fatos e passa a mascarar a realidade, como se fosse possível tapar o sol com a peneira…
MANCHETE INFELIZ
A edição do jornal ND que circulou em Joinville (SC) na sexta, 2, tentou ver algo positivo na pandemia e foi um desserviço jornalístico. A capa trouxe em destaque os 70.865 casos recuperados, mas também mostrava as 1005 mortes pela doença. No rodapé, a frase “Temos motivos para comemorar” desmanchou a intenção dos editores de chamar a atenção para o lado bom da coisa. Causou perplexidade e indignação, pois uma cidade que perde mais de mil pessoas para a Covid não tem nada a celebrar.
Nas redes sociais, a gritaria diante da insensibilidade foi tanta que o jornal publicou editorial dizendo que foi “mal interpretado”. Será mesmo?
Se você não sabe, o ND é um jornal que segue a cartilha bolsonarista, e em julho do ano passado defendeu abertamente a “liberdade para se tratar”, contrariando orientações sanitárias e autoridades da área. É um jornal que tem como colunistas Alexandre Garcia, Luis Ernesto Lacombe, Guilherme Fiuza e Rodrigo Constantino, que compõem o exército negacionista da mídia alinhada ao governo.
O ND é o jornal que, um dia depois da manchete infeliz, noticiou as mortes de três jornalistas com o título “Covid-19 abrevia vida de Ney Padilha, grande nome do jornalismo esportivo catarinense”. Os autores da chamada até tentaram fazer um contorcionismo verbal, mas o fato é que a Covid-19 não abrevia a vida de ninguém. Ela mata, colegas. Sem subterfúgios ou palavras que amenizem: a Covid mata!
Hoje, 7, é dia do jornalista e não há o que comemorar. Levantamento da Fenaj, publicado ontem, aponta que o Brasil é o país com o maior número de jornalistas mortos por Covid-19 no mundo. Foram 86 só neste ano!
EM NOSSO SITE
“Redes sociais: tempo de vida, fake news e manipulação”, um instigante artigo de Samuel Lima em nosso site.
Denise Becker pergunta: E se o jornalismo fosse inventado hoje?
Confete 1: nosso projeto de extensão que leva crítica de mídia a escolas públicas da Grande Florianópolis foi tema de doutorado na Unisinos.
Confete 2: esta newsletter é uma das 10 brasileiras indispensáveis pela Rede Internacional de Jornalistas (IJNet). Ficamos duplamente felizes, pois estar ao lado de Farol Jornalismo e Abraji também é um luxo, certo?
Por falar em newsletter, chegaremos à 100ª na próxima edição. Conte umas verdades pra gente aqui.
RADAR
Está a par dos últimos estudos envolvendo jornalismo e pandemia? Sem problemas se a resposta for negativa. A seguir, discutimos as pesquisas mais recentes publicadas em um capítulo de livro e dois dossiês científicos.
Começando pelo tema da desinformação. Entre março e julho de 2020, Felipe Soares, Raquel Recuero, Paula Viegas, Carolina Bonoto e Luiz Ricardo Hütner coletaram um alto volume de publicações sobre cloroquina. O resultado foi o mesmo no Twitter, Facebook e Instagram: grupos favoráveis ao uso do remédio para tratamento precoce tiveram mais visibilidade e engajamento. Além disso, as fontes principais desses posts não são veículos jornalísticos tradicionais, mas o que os autores chamam de “mídias hiperpartidárias” (sites que circulam desinformação e não tem compromisso com normas éticas do jornalismo, como o Conexão Política).
Por outro lado, cada rede guarda algumas características específicas. No Instagram, políticos são os principais responsáveis por circular mentiras pró-cloroquina. Como a plataforma se estrutura em torno do poder da imagem, e não é possível inserir links clicáveis nos posts, figuras públicas ganham mais proeminência.
É diferente do Twitter e Facebook, onde usuários comuns são mais ativos no compartilhamento da desinformação. No caso da rede de Zuckerberg, links a rodo circulam principalmente via grupos fechados, o que dificulta rastreá-los. É por isso que a conclusão do estudo não poderia ser outra: cada mídia social requer uma estratégia específica no combate às mentiras, levando em conta suas particularidades.
SURREALISMO
Ainda sobre a pandemia, as pesquisadoras Paula Falcão e Alice de Souza mapearam quais eram os temas das fake news brasileiras relacionadas à Covid-19.
Mentiras sobre a origem do vírus, estatísticas falsas e descrédito de jornalistas e meios de comunicação estão entre os tópicos. Mas não só isso. As autoras precisaram criar uma nova categoria chamada “informações surreais”. Você deve imaginar o nível do conteúdo (ou não!): urina de vaca como cura para a Covid, plástico bolha sendo transmissor do coronavírus, e por aí vai…
Falando em desconfiança, saiu um estudo sobre consumo de notícias durante a pandemia por jovens da Espanha. Neste mesmo dossiê, outra análise conclui que o fluxo de desinformação no Brasil contribui para acirrar disputas políticas.
ANTIVACINERS
Bem antes da pandemia, discursos antivacina já cresciam em plataformas como o YouTube. É o que demonstra esta pesquisa sobre vídeos publicados em canais brasileiros entre 2018 e 2019.
No discurso dos youtubers, a imunização vira sinônimo de risco de morte (!) e restrição na liberdade de escolha do cidadão. O primeiro argumento tem a ver com um pano de fundo que envolve curas naturais e a oferta de terapias milagrosas como resposta à vacina. Sugere que elas seria uma agressão ao corpo saudável. Já a segunda é de cunho político, e coloca mais um tijolo no muro de desconfiança contra instituições científicas e midiáticas.
São duas abordagens que parecem distantes, mas possuem algo em comum: a crença religiosa, analisam os autores.
DOIS EBOOKS E MAIS
Durante a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, sites brasileiros descreveram os povos indígenas contrários ao empreendimento como “invasores” e sujeitos “de menor capacidade”. Jornais estrangeiros, por outro lado, ouviram as fontes e deram mais abertura às falas críticas.
Uma perspectiva dialética materialista sobre objetividade jornalística, em artigo assinado por Rafael Bellan.
Mais teorias do jornalismo: Rasmus Klein atualiza o pensamento do autor clássico Robert Park para discutir formas de conhecimento geradas pelas notícias digitais. Artigo traduzido para o português pela Intexto.
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas mapeia discursos de ódio no Twitter e Facebook no Dia da Consciência Negra.
Com prefácio do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, o novo livro de Leonardo Foletto aborda a história da resistência antipropriedade na cultura livre. Baixe!
“Postar ou não?” é um ebook gratuito sobre a responsabilidade de compartilhar informações nas redes. Com dicas, testes e linguagem acessível, a publicação de Taís Seibt e Marília Gehrke (Afonte Jornalismo de Dados) é voltada ao público jovem. Baixe também!
SECOS & MOLHADOS
Violação de segredo de justiça, vigilância de jornalistas, medo e perseguição. No Brasil? Não, em Portugal, conta a revista Jornalismo & Jornalistas.
Autoridades andam bloqueando os jornalistas nas redes sociais. No Brasil? Sim, pelo menos em 174 casos, diz a Abraji.
Aliás, parece que atacar jornalistas está liberado nas redes sociais, principalmente no Facebook. Para The Guardian, as diretrizes da rede permitem.
Por falar em Facebook, a rede foi denunciada pela Repórteres Sem Fronteiras na França por proliferação de desinformação e mensagens de ódio.
Nos EUA, um relatório sobre direitos humanos associa Jair Bolsonaro a ataques à imprensa no Brasil. Who could imagine?!
Enfrentamos duas pandemias. Um panorama da dura vida de jornalista por aqui, escrita por pesquisadores brasileiros para os alemães entenderem.
IA para combater desinformação: baixe este informe espanhol.
Na Inglaterra e Irlanda, jornalistas de Mirror, Daily Star e Express não voltarão mais às redações. Trabalharão de casa em definitivo.
Calma que tem boa notícia também. Nossa parceira, a Fiquem Sabendo é a mais nova integrante da Global Investigative Journalism Network (GIJN).
Dicas éticas para cobrir trabalhadores do sexo.
Grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, da USP, criou uma newsletter. Assine!
Vale mencionar também a excelente edição da última Cajueira. O tema: jornalismo independente nordestino fora das capitais. Leia!
A crise da mídia é resultado de uma crise de identidade, afirma a jornalista colombiana Maria Teresa Ronderos.
Não conseguiu acompanhar o Congreso Hermes sobre comunicação, jornalismo e cinema? Vídeos de todas as mesas já estão disponíveis. Aproveite.
O dilema entre ser herói e ser jornalista, coberturas de manifestações feministas e crítica aos colegas. Temas do podcast do Consultório Ético.
Basta dizer a verdade para ter a confiança do público? Marcela Kunova mostra como a realidade é mais complicada.
Como lidar com tanta notícia ruim? O repórter João Paulo Charleaux conta como faz.
Você também já quis reescrever as manchetes para modificar o mundo ao seu redor? No BemDito, as notícias que mais desejamos.
AGENDE-SE
Como trabalham os trabalhadores da comunicação em meio à pandemia? Participe desta pesquisa.
Tem curso gratuito sobre comunicação pública, EBC e democratização da comunicação. Começou ontem e vai até sexta-feira. Acompanhe aqui!
Tem curso pago da Intercom sobre pesquisa em Comunicação: aqui.
Daqui a uma hora tem webinário com AzMina e Instituto Serrapilheira sobre como captar recursos para investir em iniciativas jornalísticas. Corra para fazer sua inscrição!
Dinheiro para custear reportagens? Tem bolsas da Fundación Gabo. Veja.
Um dossiê sobre história da imprensa está com chamada aberta até 5 de julho. Promoção da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
No periódico Mídia e Cotidiano, o tema do próximo dossiê envolve a informação e o mal: disputas éticas, políticas e epistemológicas da comunicação em tempos extremos. Submissões até 14 de junho.
Alguém falou em desinformação aí? Tem um debate imperdível amanhã! O recrudescimento da desinformação nas redes sociais, as ações de enfrentamento e a migração para redes alternativas. É às 19 horas. Assista aqui.
Você acabou de ler mais uma edição produzida por
Dairan Paul
e
Rogério Christofoletti
. A próxima é a 100ª, tão importante que vai ignorar o feriado de 21 de abril pra chegar até você.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.