O jornalismo (também) respira com dificuldades
Edição 101: liberdade de imprensa + limites do sensacionalismo + ética jornalística feminista
Olá, assinante!
Se você não esteve hibernando nos últimos anos, sabe que a liberdade de imprensa tem sido caçada em tudo o que é canto. Anteontem (3) foi mais um Dia Mundial dela, e trombamos com estatísticas terríveis, notas públicas e palavras de ordem.
Um estudo da Unesco mostrou que a violência contra jornalistas mulheres só aumenta; governos autoritários continuam perseguindo profissionais e incitando grupos a atacarem repórteres nas ruas; comunicadores críticos são encarcerados ou acossados judicialmente; e, por aqui, o Brasil caiu quatro posições no ranking da Repórteres Sem Fronteiras ficando atrás de Etiópia, Albânia, Butão e mais 107 países.
Garantir que jornalistas possam exercer seu ofício com segurança e dignidade não é nenhum privilégio ou regalia. Cabe ao Estado assegurar essas condições, pois a informação é um bem público e um direito humano. Ainda mais num momento tão trágico como o da pandemia. A liberdade para informar, para investigar e para publicar são inegociáveis. Com o joelho dos violentos sobre o pescoço, resta ao jornalista continuar berrando a plenos pulmões. A denúncia é o maior revide.
É PEDIR DEMAIS?
A devastadora tragédia que colocou a pequena Saudades (SC) no noticiário ontem é também um duro teste para jornalistas. Cobrir um massacre de crianças e educadoras a golpes de facão exige preparo técnico e emocional. Também é preciso resistir a algumas tentações…
É mesmo necessário dar detalhes das “técnicas” usadas pelo assassino?
Fotos das vítimas não tornam mais agudo o sofrimento das famílias em luto?
Como não se contagiar pela revolta e resvalar para o jornalismo justiceiro?
PROCURAMOS INDEPENDÊNCIA
15 de abril: reportagem da Agência Pública denuncia acusações mantidas em segredo sobre crimes sexuais de Samuel e Saul Klein, fundadores da Casas Bahia.
25 de abril: a ombudsman da Folha de S.Paulo se queixa do silêncio do jornal (parceiro da Pública!) sobre os casos.
26 de abril: a Via Varejo — dona da marca Casas Bahia — publica anúncio de página inteira na Folha falando da sua nova logomarca.
Embora o UOL venha cobrindo o caso, a irmã corporativa Folha ainda ignora os escândalos que envolvem homens ligados ao maior anunciante da mídia brasileira por anos. Não é segredo que as Casas Bahia despejaram rios de dinheiro em verbas publicitárias. O que não sabemos é se esse detalhe ajuda a explicar o desinteresse dos grandes meios em desenterrar dezenas de crimes sexuais. Estaria a dependência financeira por trás da falta de independência editorial?
É DE CASA
Correria aí e você nem conseguiu acessar o site do objETHOS? Calma. Ajudamos.
João Paulo Mallmann escreveu sobre a grande mídia e o silenciamento das vozes dissonantes;
Juliana Rosas comenta as agruras de ser uma espécie de call center do jornalismo;
Dois livros gringos recém-lançados trazem capítulos assinados por um pesquisador nosso;
Por falar nisso, nossos pesquisadores também publicaram texto no European Journalism Observatory (EJO) sobre as duas pandemias no Brasil…
JORNALISMO DE NICHO? TEMOS!
Na edição passada, começamos a destacar meios jornalísticos fora da mainstream media que valem muito a pena conhecer. Conheça mais três!
Badaró (MS) é a primeira revista brasileira especializada em jornalismo de quadrinhos. Tem HQ-reportagem sobre as eleições presidenciais no Equador, como funciona a Coronavac e os famigerados remédios ineficazes contra a Covid-19...
Na semana passada, o especial Dependências da Agência Retruco (PE) venceu o 9º Prêmio República de Valorização do Ministério Público Federal. A série explica o funcionamento da rede de comunidades terapêuticas e clínicas de reabilitação no Nordeste.
E se existisse um site focado em investigações sobre a indústria de alimentos? Conheça O Joio e o Trigo (SP) e aproveite para entender como o Brasil se tornou o país do leite condensado.
RADAR
A pergunta que vale um bilhão de reais: dá pra fazer jornalismo sem sobrecargas físicas e mentais?
Até dá. Mas o fator sofrimento é tão recorrente nas falas dos jornalistas que praticamente se tornou parte da sua identidade profissional.
O dado vem de uma pesquisa assinada por Lívia Guilhermano e Virginia Fonseca, que entrevistaram seis profissionais, ainda em atividade, com experiência nas redações desde os anos 1970 e 1980.
Sem exceção, todos afirmam que o jornalismo é uma profissão estressante com reflexos nas vidas pessoais. Longas jornadas de trabalho podem desfazer casamentos, adiar planos e roubar o tempo de lazer, como já comentamos por aqui. Na mudança pro digital, ficar refém de pautas das redes sociais também costuma desanimar alguns dos jornalistas.
Diante disso, por que continuar na profissão? Algumas recompensas amenizam o estresse, respondem. E a principal delas seria acreditar na relevância social do que fazem. Romântico, não?
FEMINISMO & ÉTICA JORNALÍSTICA
Na edição da Fronteiras, a gente também destaca um estudo do discurso jornalístico sobre mulheres na revista Claudia. Spoiler: existiram mudanças nos dez anos analisados, mas as principais normas sobre “ser mulher” continuam as mesmas (casada, com filhos, heterossexual...). Pesquisa de Daiane Bertasso e Amanda Rosa.
A propósito, o feminismo contribui para uma ética jornalística mais empática, politicamente posicionada e aberta à escuta. Bibiana Garcez sustenta isso a partir da análise de editoriais publicados na Revista AzMina e no site Gênero e Número.
Jornalistas americanos imaginam quem são suas audiências por meio de interações nas redes sociais e de relações com família, amigos e colegas. As diferentes percepções podem resultar em formas distintas de comunicação com leitores.
Para download: jornalismo literário é o tema de um ebook em homenagem ao professor Paulo Roberto Araújo. Publicação da Compolítica traz artigos de dezessete autores sobre comunicação e política no contexto da pandemia. E os resultados do 3º Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, neste livro sobre midiatização, polarização e intolerância. Fechando o bloco, publicação nova na área: a revista de divulgação científica Communicar&, da Cásper Líbero. Ela traz entrevista com Mariana Valente (Internet Lab) e ensaio de Helena Martins (UFC) para pensar a tecnologia a contrapelo.
SECOS & MOLHADOS
O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas de Portugal publicou o relatório da gestão 2018-2021. Um interessante exercício de transparência.
Por aqui, a mídia não costuma ser nada transparente. Mas há quem nade contra a maré (ainda bem!). O Núcleo abriu o painel de métricas sobre a sua audiência. Coragem e respeito pelo público!
Também falta transparência nas negociações do Google com empresas jornalísticas espanholas…
Por falar na Espanha, jornalistas e empresários do ramo firmaram um compromisso ético para o futuro. Assista ao lançamento e acesse o documento.
Sindicatos de países da América Latina, incluindo o Brasil, estão pedindo prioridade para jornalistas na vacinação contra a Covid.
Episódio especial sobre jornalismo de games no podcast Regras do Jogo, com Pedro Falcão e Pedro Zambarda.
A rotina crítica de uma ombudsman: assista a uma palestra de Flavia Lima, que aconteceu em Juazeiro (BA).
Um guia da Associação Mundial de Jornais para “ativar a mudança cultural nos meios de informação”. E uma cartilha sobre liberdade de expressão na internet formulada pela Coalizão Direitos na Rede, da qual o objETHOS faz parte.
Alô, jornalistas investigativos independentes: dicas de como vender sua pauta e encontrar possíveis interessados. Texto traduzido da Global Investigative Journalism Network.
Colunista Cacau Menezes celebrou o sucesso das manifestações bolsonaristas de 1º de maio no Rio. Na versão impressa do jornal ND, estampou foto de uma grande aglomeração. Mas era a foto errada.
O editor da Agência Pública Thiago Domenici contou bastidores da reportagem que denunciou Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, por crimes sexuais. Detalhes da apuração na newsletter Investigadora, da Abraji.
The Guardian desenvolveu um app que ajuda seus jornalistas a seguirem as regras de seu manual de estilo.
Está atrás de dinheiro para financiar seu meio? Não sabe como tratar com possíveis financiadores? Aqui tem umas dicas da IJNet.
Só jornalista de esquerda é ideológico? A imprensa lava-jatista contraria essa tese, critica Caio Bellandi.
No Farol Jornalismo, um resumo completíssimo do que aconteceu de mais interessante no Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ) deste ano.
Vem aí a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), com lançamento em junho.
AGENDE-SE
Você pode acompanhar todo o 4º Simpósio Nacional do Rádio pelo YouTube. O evento começou hoje (5) e vai até sexta-feira. Programação aqui.
Amanhã tem Alfonso Tabernero (Univ. Navarra) na abertura dos seminários da International Media Management Academic Association (IMMAA).
Inteligência Artificial e o Futuro do Jornalismo: um evento europeu nos dia 11 e 12 de maio, pela internet e com inscrição gratuita aqui.
Acontece entre 14 e 16 de maio o primeiro Congresso Nacional de Jornalistas Negras e Negros, com organização do coletivo Lena Santos. Flávia Oliveira, Flavia Lima, Maju Coutinho e René Almeida estão na programação. É gratuito!
Jornalismo de revista é o tema de um dossiê da revista científica Animus. Prazo até 15 de maio.
Não é todo dia: duas bolsas de R$ 5 mil para reportagens sobre quem financia o desmatamento na Amazônia. Promoção da Repórter Brasil, com inscrições até 20 de maio.
No final deste mês, 31, encerra o prazo para o dossiê sobre gênero, mídia e política organizado pela revista Líbero. E um dia antes finaliza a chamada para o dossiê sobre mídia e inovação da Observatório.
Racismos, violências e resistências será o tema do próximo Encontro Nacional de História da Mídia, o Alcar. Sediado de forma remota pela Universidade Federal de Juiz de Fora, o evento recebe submissões até 13 de junho.
Prazo dos bons: até 1º de dezembro será possível enviar trabalhos para o dossiê “Jornalistas e construção midiática dos problemas públicos”, da revista Sur le journalisme – About Journalism – Sobre jornalismo.
Estava na edição passada, ainda está de pé: narrativas, mídias e linguagens no mundo pandêmico (Rizoma - até 15/5); mídias, comunicação e liberdade de expressão (capítulo de livro da Intercom - 01/06); desinformação, crise das verdades e negacionismo científico (Eco-Pós - 10/06); a informação e o mal: disputas éticas, políticas e epistemológicas da Comunicação em tempos extremos (Mídia e Cotidiano, 14/06).
Com curadoria de
Dairan Paul
&
Rogério Christofoletti
, esta
newsletter
volta em 19 de maio. Você não perde por esperar...
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.