Pra que serve a liberdade de imprensa?
Edição 104: liberdade é uma soma de fatores + de olho na CPI + cobertura sobre América Latina
Olá, assinante!
Você já leu por aqui e em muitos outros lugares que a liberdade de imprensa está passando por grandes provas de fogo nos últimos anos. Governantes autoritários atacam o jornalismo porque ele incomoda, cobra soluções, denuncia e mobiliza setores da sociedade a exigir governos melhores. Omissões de parte do Judiciário e do Parlamento contribuem com o clima de tensão permitindo mais perseguição. Hordas de fanáticos e milícias digitais aproveitam as brechas para hostilizar, ofender e até agredir jornalistas na frente de todos.
Contrariando o senso comum, o professor Eugenio Bucci escreveu recentemente que não precisamos da liberdade de imprensa para que o jornalismo nos diga a verdade. “A imprensa livre não entrega a ninguém a verdade embrulhada para presente, mas pode, com um alto grau de eficiência, inibir as mentiras que vêm do poder”, diz.
É uma maneira original de enxergar o problema. Mas as condições para o exercício do jornalismo dependem da soma de diversos fatores políticos, sociais, culturais e econômicos. Essa tal liberdade pode ser uma concessão das elites e dos governos, mas também pode vir da pressão de uma sociedade e uma cidadania mais exigentes e fortalecidas. No Brasil, esse horizonte está cada vez mais distante.
Pra que mais a liberdade de imprensa pode servir no país dos Bolsonaros?
DE OLHO NA CPI
Já cansou das perguntas mornas de Renan Calheiros (MDB-AL) e das palestrinhas insossas de Marcos Rogério (DEM-RO)? Nós não. Por isso, parte da equipe do objETHOS está acompanhando como a mídia está cobrindo a CPI da Covid. Por quê? Simplesmente porque é o evento político mais importante do ano até agora.
Álisson Coelho, por exemplo, chama a atenção que esta CPI é midiaticamente diferente de todas as outras. Jéferson Silveira Dantas nos lembra da dimensão histórica deste evento.
Amanhã tem texto novo no site. Aliás, vamos publicar artigos todas as quintas até o final da Comissão Parlamentar de Inquérito.
DIVERSIDADE NOS INDIES
Duas boas reportagens e um projeto para dar mais diversidade ao jornalismo. Salve nos favoritos!
Abaré Escola (AM) lançou o Negritude Cabocla, um banco de dados com fontes negras amazonenses. E a última edição da Cajueira trouxe iniciativas independentes da região Norte.
Já que estamos no tema, destacamos a reportagem investigativa da InfoAmazônia (AM) com a Mongabay sobre uma cadeia de mercado ilegal de manganês que coloca em risco os povos Kayapó, no sudeste do Pará.
O projeto de reportagens “Uma guerra viciante” é uma colaboração de diversos veículos internacionais que discute os efeitos da política de drogas na América Latina. Por aqui, Ponte Jornalismo (SP) abordou o encarceramento em massa da população negra.
RADAR
Lá nos idos de 1922, Walter Lippmann já escrevia que o jornalismo é uma “janela para o mundo”. Não quer dizer que ele espelha a realidade, mas a constrói por meio de representações sociais. E isso acaba incluindo estereótipos, diz o autor de Opinião pública.
É o caso de países da América Latina, praticamente invisíveis nos jornais brasileiros e que incrivelmente estão no mesmo subcontinente. Uma pesquisa assinada por Camilla Tavares e Marina Fernandes comprova que as editorias “Mundo” de Folha de S. Paulo e O Globo dedicam pouco espaço aos hermanos. E quando aparecem, a tendência é que estejam relacionados aos Estados Unidos. É como se os valores geopolíticos norte-americanos contaminassem os critérios de noticiabilidade do jornalismo.
A análise de 1.996 matérias concluiu que a cobertura dos jornais dá mais visibilidade a pautas sobre corrupção e imigração ilegal. São temas relevantes e que devem ser noticiados, escrevem as autoras. Mas essa preponderância restringe o olhar sobre a AL, o que colabora para a “validação de um imaginário popular negativo em relação aos latino-americanos”.
JORNALISMO PARA AS DEMOCRACIAS
O enquadramento das disputas entre grupos indígenas e proprietários rurais em Mato Grosso do Sul pelas páginas do jornal Correio do Estado: análise de Marcos Paulo da Silva e Maurício Raposo demonstra que o veículo favorece as elites econômicas porque “compartilham os atributos morais e constitutivos que definem o verdadeiro ser sul-mato-grossense”.
A antropóloga Isabela Kalil analisou teorias conspiratórias mobilizadas por Bolsonaro e seus apoiadores no primeiro ano da pandemia. Tem resumo da pesquisa aqui.
Dois paradigmas para se pensar a formação e ensino de jornalismo no Brasil.
Ética do discurso e comunicação para a paz nesta entrevista com Eloísa Nos Aldás, da Universitat Jaume I.
Acaba de sair o segundo volume da pesquisa Media for Democracy Monitor, que analisa como as condições estruturais de diversos países favorecem ou impedem o exercício do jornalismo em sociedades democráticas. Baixe!
SECOS & MOLHADOS
Sabe a eleição no Peru? Pois é. O tribunal de ética do Conselho de Imprensa de lá emitiu comunicado falando de ética jornalística para a cobertura.
Proteger a identidade das fontes, o melhor uso dos adjetivos e igualdade de gênero nas redações: mais um episódio do podcast do Consultório Ético.
Uma tenista abandonou um torneio do Gram Slam para não falar com jornalistas. É claro que o caso de Naomi Osaka é mais complexo que isso, e a melhor síntese foi feita pelo Farol Jornalismo. Moreno Osório deu suas raquetadas.
Sim, você viveu para ver a Secom questionar a ética jornalística da The Economist.
“Chefes vestem Prada, trabalhadores não ganham nada”, gritaram os jornalistas da prestigiada New Yorker em frente à casa da publisher Anna Wintour. Eles organizaram um sindicato da revista para exigir melhores condições de trabalho.
Lá e cá: desertos de notícia também são realidade na Argentina. Um terço da população vive neles.
Em 2000, o fotógrafo Alex Silveira perdeu a visão ao ser atingido por policiais que disparavam balas de borracha. Demorou duas décadas até o STF responsabilizar o Estado. E houve ministro que votou contra.
Volta e meia falamos de plágio ou conteúdo jornalístico reproduzido em outros sites sem os devidos créditos. Dessa vez a Folha reconheceu o erro: publicou reportagem com trechos idênticos de outro texto do Brasil de Fato. Mas nem todos veículos fazem isso…
Dê boas-vindas para a Associação de Jornalismo Digital. Ela reúne 30 iniciativas de todas as regiões do país.
A busca do jornalismo profissional feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras por assegurar o Direito ao Trabalho. Um texto da nossa pesquisadora Juliana Freire Bezerra.
Também em nosso site, Clarissa Peixoto escreve sobre o jornalismo hegemônico e os limites da crítica ao bolsonarismo.
Que tal uma newsletter com bolsas de estudo, cursos e programas de financiamento para jornalistas? Conheça e assine a Vem Pro Fluxo.
Uma entrevista sobre segurança digital com a pesquisadora e hacker antirracista Nina da Hora.
Outra, com Julia Cagé, a acadêmica francesa que estuda sobrevivência sem perder de vista a regulação das big techs.
Prêmios de prestígio não seguram a onda dos meios locais. Segundo o Tow Center, 9 em 10 jornais ganharam o Prêmio Pulitzer por reportagens locais na última década tiveram algum tipo de corte em 2020, nos EUA.
Onze anos depois, qual o legado do grande vazamento de dados protagonizado pelo WikiLeaks? Reportagem multimídia da Mescla revisita o caso e conta.
Qual é a dieta de notícias mais saudável? No Nieman Lab, Joshua Benton fala de uma pesquisa que pode surpreender até mesmo as redações.
AGENDE-SE
O Prêmio Gabo de Jornalismo está com inscrições abertas. Tudo aqui!
Hoje é o último dia para você se inscrever no curso gratuito sobre jornalismo de educação oferecido pela Jeduca e Abraji.
Amanhã, às 20h30, tem a live “Continente africano na cobertura da mídia brasileira". No Instagram do Observatório de Mídia da UFFRJ.
Já se programou pra participar dos eventos do 2º semestre? Acompanhe as datas de encerramento das chamadas: Encontro Nacional de História da Mídia — 20/06; Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo — 20/06; Escola de Verão da ALAIC — 30/06; Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação — 12/08; Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo — 15/08. Ufa!
A edição de dezembro da Revista EPTIC será sobre concentração na Internet e propostas de regulação das plataformas. Participe submetendo artigo até 20/08.
Chamadas que já passaram por aqui, mas ainda estão valendo: dossiê disputas éticas em tempos extremos, na Mídia e Cotidiano (até 28/06), populismo, pós-verdade e mídias digitais, na Media & Jornalismo (até 30/09); jornalismo e empreendedorismo, na Brazilian Journalism Research (até 30/11); jornalistas e construção midiática dos problemas públicos, na Sur le journalisme / About journalism / Sobre jornalismo (até 01/12).
Esta foi mais uma edição produzida por
Dairan Paul
e
Rogério Christofoletti
. A próxima chegará em sua caixa de e-mail quando 2021 já estiver na metade! Em 30 de junho.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.