Todos os chiliques do presidente
Edição 105: tá passada? + instinto de manada + ensino de jornalismo na pandemia
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O cerco a Lázaro Barbosa acabou com seu corpo crivado por 38 balas. O boletim da ocorrência informa que o foragido resistiu à prisão, não quis se entregar e descarregou sua pistola contra os policiais. Do lado das forças de segurança, foram disparados outros 125 tiros.
Os números impressionam: mais de 200 homens fortemente armados perseguiram o criminoso por 20 dias. Outro exército acompanhou a operação de perto, o dos jornalistas. A cobertura virou espetáculo, um prato cheio regado a jornalismo declaratório, sensacionalismo, fake news e preconceitos.
Precisaremos de mais algum tempo para entender essa cobertura, mas algumas perguntas já podem ser feitas: É possível cobrir episódios como este sem criar um circo midiático? Quem está reportando consegue separar curiosidade mórbida de interesse público? Conseguimos evitar as especulações e o instinto de manada? A presença massiva de jornalistas ajuda ou atrapalha na solução do caso?
VAI PARAR? ELE NÃO
Com a popularidade ladeira abaixo e denúncias de novos escândalos na CPI da Covid, Jair Bolsonaro voltou à carga contra os jornalistas. Mandou uma jornalista calar a boca no dia 21 em Guaratinguetá, e quatro dias depois, ofendeu outra profissional, em Sorocaba. Diversos analistas enxergam mais do que destempero; veem também desespero nas atitudes do presidente da República.
Senadores da CPI emitiram nota contra os ataques. A ABI pediu a renúncia do inquilino do Alvorada. Nada indica que Bolsonaro vá limpar suas gavetas ou recuar na violência contra jornalistas. Ele vai continuar com os chiliques, ainda mais agora que a confiança na mídia se fortalece em meio à pandemia.
EM NOSSO SITE
CPI abre janela inédita para a participação cidadã — por Carlos Castilho
A intimidação a Leandro Demori e o reflexo da nossa frágil democracia — por Tânia Giusti
O depoimento de Osmar Terra à CPI em três vídeos que desinformam — por Lívia de Souza Vieira
Entre a crítica e o ataque ao jornalismo: uma diferenciação necessária — por Álisson Coelho
E amanhã, quinta, tem mais análise no especial CPI da Covid na Mídia.
MAIS DOS INDEPENDENTES
Bom jornalismo pra dar e vender: temos!
Graças às insistentes denúncias da Fiquem Sabendo, o governo federal foi obrigado a publicar dados de pensionistas militares no Brasil. Vitória da informação pública e transparente.
Quatro meses de investigação resultaram na série de reportagens Ouro do Sangue Yanomami, sobre o funcionamento da cadeia de extração ilegal do ouro. Parceria das mídias independentes Amazônia Real e Repórter Brasil.
De Goiás, o Jornal Metamorfose discute como a perseguição a Lázaro Barbosa deixou rastros de violência nos territórios de religião de matriz africana.
RADAR
Como anda o ensino de jornalismo durante a pandemia? Neste Radar, um giro pelos relatos de professores na edição mais recente da Rebej.
Podcasts foram uma saída para a produção de reportagens a distância na Universidade Federal de Tocantins. Alunos avaliaram positivamente a experiência — já os docentes sentiram que a carga de trabalho dobrou com o excesso de tempo online.
Na federal do Rio de Janeiro, a disciplina de audiovisual exigiu criatividade dos estudantes na busca de imagens para cobrir texto. Mas operar os instrumentos técnicos de forma remota não foi um problema pros nativos digitais...
Essa facilidade acabou invertendo a expectativa de alguns professores, e as disciplinas laboratoriais foram menos prejudicadas que o esperado. Já o saldo das aulas teóricas é menos positivo, relata Luciane Agnez, do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília. Tecnologias “esfriaram” a interação que ocorria em sala de aula, desencorajando a participação dos alunos e limitando os debates virtuais. No fim das contas, quem reina (além da voz do professor) é o chat — a forma de comunicação que os alunos mais utilizam.
GUIAS, REPORTS E EBOOK
Reprodução acrítica de aspas e reportagens pouco aprofundadas normalizaram a agenda anti-gênero de Jair Bolsonaro enquanto ainda era deputado. Liziane Guazina, Gabriela Leite e Ébida Santos analisaram dez anos de cobertura dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão.
Sabe o que dizem os manuais de jornalismo das décadas de 1960 e 1970? Que jornalistas são pessoas de “respeito”, “prestígio” e têm bons salários...
Casos de violência contra jornalistas cresceram 105% de 2019 para 2020, informa Maria José Braga, presidenta da Fenaj. O principal agressor? Bolsonaro.
Um dossiê sobre rádios universitárias em tempos de ataques à ciência.
Como lidar com trolls e falar sobre ataques online? Guia do InternetLab e Redes Cordiais ensina jornalistas a enfrentar essas ameaças.
Pesquisa mostra que é mais importante se posicionar diante de injustiças do que ser equilibrado. Ao menos para os meios digitais latino-americanos.
Saiu o Digital News Report 2021, e o Farol Jornalismo destrinchou o estudo.
Intervozes liberou para download o livro “Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news”, com organização de Helena Martins e prefácio de Sergio Amadeu.
A Unesco vai lançar em setembro um report sobre viabilidade da mídia independente. Um aperitivo aqui. Spoiler: inclui o Brasil.
SECOS & MOLHADOS
Autora de um livro clássico que chacoalha a ética da nossa profissão — “O jornalista e o assassino” —, Janet Malcolm morreu aos 86 anos. Leia um perfil assinado por Sylvia Colombo.
Mentiras e aceleração tecnológica são mais alguns desafios para os ombudsman de imprensa, aponta Joel Albarrán no La Vanguardia.
Sabe o coleguinha que te faz passar vergonha no trabalho? Ó ele aqui.
Mais vergonha alheia! Vem aí uma ação civil pública contra a Rede TV! e o apresentador Sikêra Jr por discriminação LGBT. Teve colega que deu a real pro apresentador e já tem anunciante deixando o barco, após campanha dos Sleeping Giants.
Se um ditador de plantão quisesse comprar espaço no seu jornal para fazer propaganda antidemocrática, você venderia? Aconteceu na Espanha.
“En primera persona”, um podcast com 9 precursoras do jornalismo na Iberoamérica. Faltou brasileira lá, né, Fundación Gabo?
Em audiência pública na Câmara Federal, especialistas defendem educação midiática e transparência contra fake news. Mas temem censura.
O governo federal quer comprar softwares para espionar pessoas. A sociedade civil organizada não está gostando nada disso, principalmente os jornalistas…
Jornal Nacional não costuma ter editorial. Teve em 19 de junho. Reforçou que numa democracia não há dois lados e que o jornalismo da Globo não abre mão dela. Ok, mas é só agora que a democracia está em risco?
A justiça demorou, mas agiu. Num caso emblemático, o STF decidiu que o Estado deve ser responsabilizado quando jornalistas são feridos por forças de segurança durante coberturas de protestos.
Uma live sobre a obra jornalística de Luiz Gama, intérprete negro do Brasil. Com Ligia Fonseca e Dennis Oliveira.
Nada de criticar o governo: tem censura na EBC durante a cobertura da CPI da Covid.
As inscrições (gratuitas!) para o próximo Congresso Internacional da Abraji ainda não estão abertas, e você pode conferir alguns convidados já confirmados.
Conheça o Observatório do Cooperativismo de Plataforma, uma iniciativa do laboratório de pesquisa Digilabour.
AGENDE-SE
O jornalismo e suas práticas é o tema do seminário “Observações”, que acontece amanhã, 1º de julho, no canal do Observatório da Mídia no YouTube. Mediação de Edgard Rebouças e comentários de Danilo Rothberg.
De amanhã até o dia 3, vão rolar dois eventos internacionais, abertos e gratuitos: o 2º Colóquio Brasil, França e Bélgica Francófona de Pesquisa em Jornalismo e o 5º Colóquio Internacional Mudanças Estruturais do Jornalismo. Quer saber mais? Por aqui, s'il vous plait.
Até 9 de julho, mande seu resumo para avaliação da revista Fronteiras, que vai editar um dossiê sobre interseccionalidade e plataformas digitais.
Precisa de ideias para alavancar o seu projeto de jornalismo cultural? Tem oficina online gratuita oferecida pela Nonada nos dias 10 e 17 do próximo mês. Inscreva-se!
Aproveite que o 20º Encontro Nacional dos Professores de Jornalismo prorrogou as submissões de trabalho até 11 de julho e faça uma submissão. Tem grupo sobre ensino de ética e teorias do jornalismo!
Vem aí o 39º Congresso Nacional dos Jornalistas organizado pela Fenaj. Será em setembro e, pela primeira vez, em modalidade virtual.
Não esqueça do calendário de eventos do segundo semestre: no Intercom, as submissões vão até 12 de agosto, e na SBPJor até dia 15.
Pra fechar, chamadas rápidas e deadlines: disputas éticas em tempos extremos (Mídia e Cotidiano — 20/07) concentração na Internet e propostas de regulação das plataformas (Eptic — 20/08), populismo, pós-verdade e mídias digitais, na Media & Jornalismo — 30/09); jornalismo e empreendedorismo (Brazilian Journalism Research — 30/11); jornalistas e construção midiática dos problemas públicos (Sur le journalisme/About journalism/Sobre jornalismo — 01/12).
Apesar do frio glacial,
Dairan Paul
&
Rogério Christofoletti
produziram mais esta edição. A próxima chega em 14 de julho.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.