Histeria com pedaladas fiscais; silêncio com paraísos fiscais
Edição 112: palco pra racista + ética no jornalismo de dados + três ebooks para download
Olá, assinante!
Junte 600 repórteres de mais de 100 países para vasculhar quase 12 milhões de documentos sobre paraísos fiscais, e o resultado é a mais importante investigação jornalística do momento. Apesar dessas credenciais e do alcance da coisa, tem redação brasileira que tentou ignorar os Pandora Papers.
No domingo, 3, quando as primeiras reportagens começaram a ser publicadas, O Estado de S.Paulo preferiu traduzir material estrangeiro que destacava que Shakira e Guardiola eram mencionados entre os ricaços com offshores. Nenhuma palavra sobre Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, por exemplo. O Fantástico deu, mas um amigo nosso pediu pra perguntar: por que, na segunda (4), o assunto foi completamente ignorado pelo Jornal da Globo e pelo Jornal Nacional, os telejornais mais quentes da emissora?
Para se ter uma ideia, o JN chegou a exibir uma matéria de intermináveis 2 minutos sobre a Igrejinha da Pampulha, mas nada do escândalo mundial!
N’O Globo ontem (5), Miriam Leitão escreveu: “O ministro Paulo Guedes abriu a empresa em 2014. O cenário naquela época era de uma recessão e aumento da inflação, o que realmente aconteceu nos anos seguintes. Então, ele deve ter remetido recursos para se proteger das incertezas da economia brasileira”. Compreensiva a colunista, né? Com paraísos fiscais, pelo menos. Na época das pedaladas fiscais, a imprensa fez uma gritaria danada, lembrou o escritor Lula Falcão.
À noite, depois que comissões do Congresso aprovaram convocações para Guedes e Campos Neto darem explicações, o JN não pôde mais fechar os olhos pra realidade e trouxe 5 minutos do assunto. O Jornal da Globo também deu uma nota pelada de menos de dois minutos. Pelo jeito, o apagão de segunda não foi apenas nas redes sociais…
PALCO PRA RACISTA
Na última semana, a Folha de S.Paulo apanhou bastante por publicar um texto de Leandro Narloch que é um festival de racismo. Thiago Amparo, também colunista do jornal, reagiu com veemência, e foi acompanhado por muita gente, entre eles o próprio ombudsman, José Henrique Mariante.
Na newsletter do Farol Jornalismo, Lívia Vieira fez uma ótima síntese da treta, perguntando: até que ponto vão “esticar a corda” do pluralismo? No The Intercept Brasil, João Filho mete o dedão na ferida: enquanto o colunista alimenta a extrema-direita com seus devaneios, a Folha fatura com isso.
Procurem o verbete “racismo” no Novo Manual de Redação do jornal…
OS FINALMENTES
A CPI da Covid está na reta final, diz o relator Renan Calheiros. Há grande expectativa sobre as conclusões de quase sete meses de investigação sobre ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. Que crimes foram praticados? Quem deve ser indiciado? A CPI vai dar em alguma coisa?
Enquanto seu lobo não chega, destacamos 5 análises que publicamos no objETHOS:
O jornal local de joelhos ao empresariado — João Paulo Mallmann
A queda da CPI da Covid na mídia: quanto o jornalismo deve se pautar pelos Trending Topics do Twitter? — Vinícius Augusto Bressan Ferreira
CPI, corrupção fardada e o papel da imprensa — Álisson Coelho
Pazuello ganha 50% do Jornal Nacional: contexto e checagem justificam — Vanessa da Rocha
CPI abre janela inédita para a participação cidadã — Carlos Castilho
Quer mais? Tem aqui.
MAIS OBJETHOS
Além de não tirar o olho da CPI, de observar outros movimentos da mídia e de produzir teses e dissertações, nossa equipe anda aprontando em outras frentes. Carlos Castilho voltou ao tema da espionagem cibernética contra jornalistas, assunto da tese de Ricardo José Torres. Janara Nicoletti foi uma das convidadas do Congresso Brasileiro de Jornalistas, Samuel Pantoja Lima palestrou sobre objetividade, neutralidade e imparcialidade na Univali, e Rogério Christofoletti debateu no Festival Fala! e no Congresso da Intercom. Aliás, outros dos nossos também participam do evento, como é o caso de Kalianny Bezerra de Medeiros e Vinicius Bressan Ferreira.
AGRO É LOBBY
Nesta edição, mais alguns exemplos de boas matérias do jornalismo investigativo e independente: denúncias sobre conflito de interesses do agronegócio, um esquema mantido por quadros militares e a importância de Assange para a geração Z.
Reportagem da Agência Sportlight mostrou um esquema de décadas comandado por generais que desviou milhões em verba pública, por meio de fraudes e licitações arranjadas. Lúcio de Castro lembrou: a impunidade é verde e oliva.
Na ocasião dos 15 anos do Wikileaks, a Revista O Sabiá explica por que a geração mais nova deve prestar atenção no capitalismo de vigilância denunciado por Julian Assange.
Em mais uma reportagem da séria Agro é Lobby, o site O Joio e o Trigo revelou a atuação de associações privadas com membros da Frente Parlamentar do Agronegócio.
RADAR
Reportagens vencedoras de prêmios não foram reconhecidas à toa, né? Mas o que elas têm a nos ensinar? Perseguindo respostas, María-Ángeles Chaparro-Domínguez e Jesús Díaz-Campo estudaram princípios éticos de projetos premiados na área de jornalismo de dados. Foram 119 no total, contemplando 20 países ganhadores do Data Journalism Awards, Online Journalism Awards e Sigma Awards. Incluindo o Brasil!
Eles perceberam três dimensões éticas principais: verificação, transparência e privacidade.
A primeira delas é a mais desenvolvida nos projetos vencedores. Reportagens dão alto destaque à verificação e utilizam elementos como seção de perguntas e respostas, glossário de termos e calculadoras interativas que contextualizam dados.
Mas poucos são transparentes quanto à correção de erros e à disponibilidade da base de dados para leitores. A maioria foca na descrição minuciosa da metodologia das reportagens.
Privacidade é o princípio ético menos desenvolvido nos projetos. Os materiais tendem a proteger nomes de fontes quando necessário (utilizando iniciais ou nomes fictícios), mas quase nenhum justifica ao leitor essa decisão.
Concluem os autores que a transparência ainda não é plenamente desenvolvida pelos projetos de jornalismo de dados, ao contrário do princípio de verificação, bastante presente. E a privacidade também figura como valor pouco reconhecido pelos profissionais, sugerindo que o tema merece mais discussões internas.
SENSIBILIDADE HACKER
Na revista Mídia e Cotidiano, um dossiê sobre as disputas éticas, políticas e epistemológicas da informação. Destaque para o artigo de Ivan Paganotti sobre a experiência do robô Fátima, da agência Aos Fatos, na correção de fake news durante a pandemia.
Fabiana Moraes propõe uma sensibilidade hacker para refletir sobre as relações entre jornalismo e ativismo.
Por meio de análise de conteúdo e entrevista com profissionais das redações, Rachel Moraes examina como a mídia mainstream brasileira cobriu protestos de movimentos conservadores de direita.
Estão disponíveis os artigos apresentados no 8º Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo, do Congresso da Abraji. Aqui!
Três livros para baixar e ser feliz: “Comunicação para a cidadania: 30 anos em luta e construção coletiva”, “Comunicação, mídias e liberdade de expressão no século XXI: modos censórios, resistências e debates emergentes” e “Comunicação, contradições narrativas e desinformação em contextos contemporâneos”.
SECOS & MOLHADOS
Viu essa? Um jornalista precisou prestar depoimento porque noticiou a ida da juíza Isabele Noronha aos atos antidemocráticos contra o SFT. Sindicatos do Paraná e Fenaj estão prestando apoio ao repórter.
Um guia de comunicação para abordar saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Gratuito e elaborado pelo Instituto Patrícia Galvão.
Aliás, fiozinho no Twitter com outros 20 guias de redação para jornalistas, sobre temas diversos.
Ajor cobrou transparência do Google e Facebook sobre os critérios para selecionar veículos nos seus programas de financiamento. Tem grana indo para quem espalha desinformação.
Desde 2019, Google repassou US$ 3 milhões para canais bolsonaristas alvos do TSE. A informação não é vazada não; é oficial do próprio Google…
Trabalhadores, uni-vos! Sindicato paulista protestou em frente ao prédio da Folha contra o arrocho salarial da categoria.
Dicas para construir um banco de fontes indígenas e desenvolver pautas mais plurais. Por Géssika Costa na newsletter Diversa, da ÉNois.
Como funcionam as cooperativas de jornalismo mundo afora? Confira o primeiro episódio da série de três, promovida pelo DigiLabour.
Alexandre Garcia foi demitido da CNN Brasil. No Observatório da Imprensa, Rui Martins pergunta: diversidade de opinião inclui distorção da realidade?
Jornalistas que sofrem ataques com viés de gênero têm agora um canal de denúncias na Abraji. Não se cale!
Por falar em ataques, nas redes eles se alastraram ultimamente. Quem mostra isso é um informe do ITS Rio e Repórteres Sem Fronteiras. Tem muito robô nesses linchamentos.
A CIA cogitou sequestrar e matar Julian Assange, afirma uma reportagem do Yahoo! News. Ra-paaaaz!
Dez propostas para um jornalismo sólido na era digital (em espanhol)
Redações devem pensar mais como as big techs. É o que defende Jacob Granger, em inglês.
A precarização da profissão leva ao mau jornalismo. Palavras da correspondente espanhola Rosa María Calaf (em espanhol)
Em Angola, os jornalistas alertam para riscos à liberdade de imprensa por lá
Na Europa, saiu um relatório que também aponta problemas por lá!
Na África do Sul, quatro pilares do jornalismo ético (em inglês)
No Brasil, a Rede Nacional de Combate à Desinformação completou um ano. O objETHOS orgulhosamente faz parte da RNCD.
Ainda por aqui: o Comitê Gestor da Internet poderia ser o Conselho de Transparência previsto no PL das Fake News.
Jornalista crítico é tudo marxista!
AGENDE-SE
Na Media & Jornalismo, da Universidade Nova de Lisboa, prorrogação para o dossiê populismo e crise democrática, até 10 de outubro.
Um curso gratuito para qualificar a cobertura jornalística em ciência, da crise climática à pandemia. Promoção do Centro Knight, com emissão de certificado. Começa em 11 de outubro.
As inscrições para a SBPJor já estão abertas, mas preste atenção nos prazos diferentes para cada modalidade. Se você vai apresentar trabalho ou quer apenas participar como ouvinte, vá por aqui.
De 18 a 20 de outubro, acontece o 1º Congresso Brasileiro de Comunicação Pública, Cidadania e Informação. Inscrições até o dia 15.
Dois eventos acadêmicos que acontecem na Espanha e que podem interessar: 6º Congresso Internacional de Micromachismos recebe propostas de comunicação até 24 de outubro e 1º Congresso Internacional de Pesquisa e Transferência em Comunicação com prazo até 22 de novembro.
Mais alguns dias para fechar a chamada da revista Paulus sobre capitalismo de vigilância e comunicação, em 31 de outubro.
A formação de comunicadores na Ibero-América é tema do próximo número editado pela Contratexto, revista vinculada à Universidade de Lima (Peru). Encerra em 15 de novembro.
Anti-colonialismo, imperialismo, luta de classes... tudo isso e mais um pouco na chamada de artigos da revista Eptic sobre econômica política da informação. Prazo para envio: 10 de janeiro.
Chamadas que já passaram por aqui: censura e violência digital contra jornalistas (Digital Journalism — 15/10), economia política da desinformação (Social Media + Society — 15/10), jornalismo e empreendedorismo (Brazilian Journalism Research — 30/11), jornalismo e futebol (Mediapolis — 30/11), jornalistas e construção midiática dos problemas públicos (Sur le journalisme — 01/12), radiojornalismo, democracia e cidadania (Esferas — 31/01/2022), ética da comunicação digital (Revista Mediterránea de Comunicación — 01/03/2022).
Que quinzena foi essa!? Dairan Paul e Rogério Christofoletti espremeram os miolos pra fazer caber tanta coisa nesta newsletter. Próxima edição: dia 20. Aproveitem o feriado!
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.