Aproveita que esta é a última edição (de 2021!)
Edição 116: críticas à Lupa + perfil racial das redações + 10 anos da LAI
Olá, assinante!
Esta é a última newsletter do objETHOS deste ano!
E pra compensar, produzimos uma edição mais longa que o habitual. Caprichamos no peso da cartinha e você pode ler com calma e tranquilidade. Se a saudade apertar, já sabe: clique no botão abaixo.
A LUPA, O ERRO E O MEDO
Checador não pode errar, mas erra. A Agência Lupa cometeu erros num post em suas redes sociais. O conteúdo tratava da origem de expressões consideradas racistas e foi publicado em pleno 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Muita gente não perdoou. A Lupa se corrigiu, mas não acalmou a fúria nas redes que se estendeu por quase uma semana. Aí, a agência publicou um editorial admitindo o erro.
Foi fraqueza? Não. Ninguém gosta de errar em público. Mas sempre que isso acontece e é percebido, é necessário sim fazer as devidas correções e, às vezes, até se retratar. Infelizmente, o jornalismo brasileiro é avesso às correções. E este comportamento é histórico e generalizado. Para a maior parte das redações, as erratas são um atestado de fragilidade, de incompetência, de fracasso. Isso é uma bobagem!
Todos os principais meios de comunicação já erraram e não estão livres de repetir isso. Como o jornalismo é uma atividade humana, o erro faz parte da equação, e a primeira melhor forma de tratar disso é reduzir a margem do erro: apurando, verificando, confirmando. A segunda melhor forma é corrigir o mais rápido que puder. O jornalismo precisa deixar a prepotência de lado e assumir que erra, quando erra.
É necessário naturalizar as correções no jornalismo para que elas reforcem a transparência que os jornalistas devem aos seus públicos. Ao assumir erros, jornalistas e meios demonstram maturidade e compromisso com a qualidade da informação. É como na indústria aeronáutica: quando um avião cai, investiga-se a fundo para descobrir o que aconteceu. Para punir alguém? Também, mas principalmente para corrigir e aperfeiçoar um sistema, uma prática, para que os próximos aviões sejam mais seguros que antes. O jornalismo deveria fazer o mesmo: identificar seus deslizes, corrigi-los e dar satisfações às pessoas sobre o que foi feito. O erro é só um sintoma de um mau funcionamento. Manter um dado equivocado ou distorcido é ter um compromisso com o erro.
IMPORTANTE: Um dos curadores desta newsletter faz parte do Conselho de Ética da Lupa, mas isso não nos impediu de tratar deste assunto por aqui.
QUEREM ESCONDER
Entramos em dezembro com uma certeza: a transparência se tornou um cabo de guerra na vida social brasileira. Enquanto muitos exigem que informações de interesse coletivo sejam realmente públicas, outros trabalham pra engavetar relatórios de CPI e pra ocultar quem se beneficiou com o orçamento secreto. E não dá pra esconder a sensação de que o time da transparência está perdendo. Estudo da Transparência Brasil mostra que o governo Bolsonaro dificulta a implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI), que acabou de completar 10 anos.
É verdade que a LAI mudou o patamar de transparência no país, mas alguns centros de poder têm construído um teto de vidro que impede um direito fundamental para os cidadãos, o direito à informação.
CHAPA QUENTE
Já falamos aqui do escândalo que envolveu Chris Cuomo, um dos mais conhecidos âncoras da CNN nos EUA, e seu irmão Andrew, o ex-governador de Nova York que renunciou ao cargo por causa de assédio sexual. Descobriram que Chris ajudou o irmão a lidar com a pressão na mídia, mas novas informações dão conta de que o jornalista foi mais longe do que se pensava. A CNN colocou o âncora na geladeira, mas ele reapareceu, e Tom Jones, da Poynter, pediu a cabeça dele.
Acuada, a emissora suspendeu o jornalista por tempo indeterminado. Para pensar: se não houvesse tanta pressão externa, a CNN teria punido espontaneamente uma de suas estrelas por desvio ético?
NO OBJETHOS…
Black Friday, final de ano, aquela correria! Não conseguiu dar uma passadinha no nosso site pra ver as novidades? Não se preocupe. A gente facilita pra você:
Juliana Rosas escreveu sobre política, religião, Estado laico e jornalismo.
Clarissa Peixoto tratou de tema espinhoso: ativismo e o posicionamento de jornalistas.
Acompanhamos o Seminário Internacional de Transparência e Prestação de Contas das Plataformas, que reuniu entidades da América Latina com apoio da Unesco, e que lançou uma declaração pública exigindo mais transparência das gigantes da tecnologia. O objETHOS assinou a declaração.
RADAR
A carreira no jornalismo é mais curta e mais arriscada para jornalistas negras e negros. Dados como esse estão presentes no Perfil Racial da Imprensa Brasileira, idealizado pelo site Jornalistas&Cia com apoio de Fenaj, ANJ, Projor, entre outros.
O estudo obteve respostas de 1952 jornalistas, que participaram via formulário eletrônico e entrevistas por telefone. Pra começar, um dado alarmante: apenas 20,1% se identificavam como negros, apesar do grupo ser maioria na população brasileira.
Quanto às condições de trabalho, prevalece entre jornalistas negros a necessidade de um segundo emprego. Mais da metade, 61,4%, ocupa cargos operacionais: são repórteres, redatores, produtores e apresentadores. Apenas 38,6% ascende a cargos de gerência, como diretor de redação, editor-executivo, chefe de reportagem e colunista. Promoção de funções e salários são menos recorrentes quando comparado aos brancos.
Não à toa, 98% dos entrevistados negros identificam maior dificuldade para desenvolver sua carreira, que pode ser interrompida prematuramente por conta dessas adversidades. A maioria dos brancos, por outro lado, consegue estabilizar vínculos de mais de dez anos no seu atual emprego.
E NAS REDAÇÕES?
Quando questionados sobre a percepção que têm do racismo dentro das redações, 86% afirmam não serem vítimas de discriminação no veículo em que trabalham. Apesar disso, 57% identificam algum tipo de racismo em experiências anteriores na imprensa. Vai desde preconceito geral (não acreditarem que são jornalistas, serem confundidos com funcionários de limpeza) e discriminação por aparência (piadas sobre cabelo) até dificuldades no ambiente de trabalho (pouca relevância para pautas raciais e assédio de colegas da redação).
Pior: para 85% das jornalistas negras, o machismo é mais um fardo do dia-a-dia.
A imensa maioria (85,7%) considera que o problema está na cultura geral das empresas que privilegiam brancos. No entanto, um dado curioso: 63% afirmam que o veículo onde trabalham é antirracista. A justificativa dos 37% restantes divide-se entre apontar a falta de uma política inclusiva nas empresas, o desprezo por pautas raciais e a consideração de que o veículo não é necessariamente racista, mas também não implementa ações concretas de combate ao racismo.
MAIS UM PERFIL
Começaram a ser divulgados os dados da maior pesquisa de censo jornalístico já feita no Brasil: o Perfil do Jornalista 2021. Já estão disponíveis o sumário executivo e um resumo dos principais achados no Farol Jornalismo.
Pesquisadores espanhóis analisaram teses e artigos sobre ética jornalística produzidos no país entre 2007 e 2018. Mesmo ocupando lugar central na profissão, o tema ainda é muito incipiente na atividade científica e está limitado a poucas universidades e grupos de pesquisa.
O jornalismo é um trabalho emocional, argumentam as editoras Mervi Pantti e Karin Wahl-Jorgensen no novo dossiê da Journalism Practice. Leia a introdução e três artigos com acesso aberto.
Dá pra cobrir temas controversos sem estimular a polarização e a violência política? Lançado ontem, o guia Jornalismo e Polarização traz dicas para uma atuação mais responsável da imprensa.
A nova edição da Radiofonias reflete sobre a produção científica do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora, da Intercom.
SECOS & MOLHADOS
Até quando o jornalismo brasileiro vai tolerar comentaristas descaradamente antissemitas?
Enquanto isso, profissionais como Francisco José, Renato Machado, Eduardo Faustini e José Hamilton Ribeiro são demitidos…
Sempre elas: mulheres jornalistas recebem o dobro de ofensas no Twitter em comparação com os colegas homens. Investigação da revista AzMina, InternetLab, Volt Data Lab e INCT.DD.
Talvez seja por isso que cada vez mais jornalistas gostariam de abandonar o Twitter…
Na Itália, uma jornalista foi assediada ao vivo após partida de futebol.
Em Portugal, está surgindo o Observatório da Inovação nos Media.
“O jornalismo não muda o mundo, mas o revela”, dizem Samuel Aranda e Pablo Tosco, premiados com o World Press Photo, nesta entrevista em espanhol.
Já parou pra acessar a WikiLAI? O projeto da nossa parceira Fiquem Sabendo é uma plataforma bastante didática sobre a Lei de Acesso à Informação. Tem verbetes, funcionamento do processo e detalhes de como fazer um pedido.
Falando nisso, Géssika Costa (Olhos Jornalismo) escreveu sobre a falta de proteção dos dados de quem faz pedidos via LAI, gerando constrangimentos e até mesmo medo de perseguições contra jornalistas. Na newsletter Catolé.
Trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação estão em g-r-e-v-e. Sabe qual foi a gota d'água? O corte do Auxílio às Pessoas com Deficiência. Sem contar as perdas salariais e a ameaça de desestatização...
Aliás, viu que jornalistas paulistas conquistaram reajuste após meses de negociação? Vitória da categoria, que chegou a cruzar os braços durante uma tarde.
Sergio Spagnuolo dá mais uma patada nas big techs: Google e Facebook pagam pelo caos que eles mesmo criaram.
O jornalismo também pode criar injustiças. No podcast da Agência Pública, Caco Barcellos (Rede Globo) e Fausto Salvador (Ponte Jornalismo) discutem o papel da mídia em temas sobre segurança pública.
Sobrou dinheiro da Black Friday? Então, considere doar para alguma das 27 organizações que fazem parte da campanha articulada pela Associação de Jornalismo Digital, a AJOR. Apoie os independentes, irmão!
Sim, existem negacionistas da ciência ocupando quadros docentes nas universidades. E qual é o papel das comissões de ética em casos como estes?
AGENDE-SE
Amanhã tem live de lançamento do e-book Arranjos jornalísticos e alternativos independentes no Brasil. Participam autores dos capítulos e jornalistas das organizações. Acompanhe no canal da ECA-USP a partir das 18h.
Um curso gratuito, online e em português sobre estratégias de produto no jornalismo para pensar audiências, negócios e tecnologia. Do Knight Center.
De 6 a 8 de dezembro vai rolar a 7ª Conferência do Pensamento Comunicacional Brasileiro (Pensacom), com inscrições gratuitas e apresentações virtuais.
Na sequência tem 1º Simpósio de Experiências Metodológicas na Comunicação da UFRGS, entre 8 e 9 de dezembro.
Abril de 2022 será o mês do 23º Simpósio Internacional de Jornalismo Online, o ISOJ. Será em modo híbrido: transmissões online e atividade presencial na Universidade do Texas, em Austin.
No mês seguinte acontece o 5º Simpósio Nacional do Rádio, com o tema “A mídia sonora na disputa pela legitimidade da informação”. Quer apresentar trabalho por lá? Envie seu resumo expandido até 28 de fevereiro.
Comunicar está com chamada de artigos sobre o tema “sociedade da desinformação” com prazo até 30 de dezembro.
Estudos de Jornalismo e Mídia prepara dossiê em homenagem às contribuições do professor Nilson Lage. Um dos editores convidados é Samuel Lima, pesquisador do objETHOS. Envio de artigos até 7 de fevereiro.
Fique de olho nessas chamadinhas aqui: economia política da informação (Eptic — 10/01/2022), democracia e cidadania (Esferas — 31/01), imaginários, identidades e o bicentenário da independência do Brasil (Mídia e Cotidiano — 21/02), ética da comunicação digital (Revista Mediterránea de Comunicación — 01/03), jornalismo e sociedade (Media & Jornalismo — 31/03)
Dairan Paul & Rogério Christofoletti produziram mais esta edição. Nos próximos meses, eles vão espremer os miolos para trazer novidades. A newsletter volta em fevereiro. Respire.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.