Por que o STF não protege os jornalistas?
Edição 117: riscos ao jornalismo + pressão na comunicação pública + o apetite voraz das big techs
Olá, assinante!
O título desta primeira newsletter do ano deu calafrios em você?
Se em situações normais já seria questionável o STF querer limitar o jornalismo, imagina no Brasil de 2022, com eleições à vista?
Nosso alerta soou porque os sinais que vêm de lá são ambíguos ou fracos demais para acreditar que a Suprema Corte se preocupa em proteger o jornalismo. Jair Bolsonaro continua bloqueando repórteres no Twitter e o STF ainda não se pronunciou sobre isso, como se a questão não afetasse o direito à informação e as prerrogativas do exercício profissional.
A rigor, o Supremo fez pouco ou quase nada para deter a sanha de Bolsonaro na sua guerrinha particular com a imprensa. Não é à toa que Reinaldo Azevedo perguntou à Corte se os seguranças do presidente iriam continuar batendo em jornalistas impunemente. Em dezembro, a Abraji até entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade requerendo maior proteção para casos de assédio judicial contra jornalistas, outra intimidação frequente.
No sábado passado, o ministro André Mendonça pediu vistas num julgamento que avalia se o governo pode monitorar redes sociais de jornalistas e parlamentares. A ação partiu do Partido Verde (PV) depois de o caso ser revelado pela revista Época e UOL. Adivinhe quem era o ministro da Justiça à época? ELE MESMO: André Mendonça! Motivo de sobra para se declarar impedido de votar, certo? Mas o ministro não só se calou como pediu vistas, atrasando o julgamento uma ação que tramita desde novembro de 2020 e que, a depender do resultado, pode gerar mais perseguição.
Alguém pode argumentar que proteção de jornalistas não é da alçada do Supremo. Devemos então esperar que a Suprema Corte do país assista a isso passivamente? Se nada fizer, vai dar a entender que quer jornalistas bem controlados…
BBC, EBC, NPR…
Na Inglaterra, a investida do partido de Boris Johnson contra a BBC mostra como alguns governos não toleram coberturas sérias e críticas. Os conservadores ameaçam a empresa pública com a asfixia financeira. Disseram que a taxa que cada residência paga para manter a BBC pode acabar em 2027 e até lá, os valores estarão congelados. O diretor da empresa reagiu no Parlamento, e o debate está longe de terminar. Parece um bode na sala. Na verdade, não há uma crise de financiamento na BBC. O que existe é pressão do governo, insatisfeito com o noticiário.
No Brasil, a insatisfação é do próprio presidente da EBC, que pressiona veículos da empresa, como a TV Brasil, a produzirem menos conteúdos sobre a pandemia. Para Glen Lopes Valente, é “chato” dar essas notícias todo dia.
Nos Estados Unidos, a NPR, a rádio pública nacional, está trabalhando num manual com novos padrões editoriais e recomendações éticas.
Na Suíça, governo quer fortalecer a mídia local e regional, e o Parlamento vai votar um pacote de medidas de auxílio econômico no dia 13.
Quanta diferença!
BIG TECHS E JORNALISMO
Até tentamos evitar este assunto, mas quem consegue?
Apetite: Google, Facebook e Amazon dobraram sua participação no mercado publicitário, e a pandemia aumentou a drenagem das verbas.
Veneno: estudo diz que Facebook fomenta possível tentativa de golpe no Brasil similar à dos EUA.
Armadilha: Por que as plataformas remunerarem o jornalismo não é bom.
Filtro: nova métrica do Google afeta sites de notícias com conteúdo denso.
Dá pra dizer que as big techs são amigas do jornalismo? Não.
PENSATA
“A decadência dos jornais cria problemas não apenas para o setor, mas também para a sociedade. Um deles é básico: para a democracia funcionar, os cidadãos precisam de informação.”
Philip Meyer, jornalista e professor norte-americano
RADAR
Quem assina a newsletter há algum tempo já sabe o que esperar do primeiro Radar de 2022: uma enxurrada de artigos publicados entre dezembro e fevereiro. Não foi diferente desta vez!
Compilamos dez produções pra você ficar a par dos temas que estão circulando na pesquisa científica em jornalismo.
Um estudo com redações de Imperatriz (MA) identificou que as empresas de mídia não fornecem protocolos de uso do Whatsapp para jornalistas. Segundo concluem as autoras, a adoção do aplicativo é mal planejada e camufla condições de trabalho precárias.
A Covid-19 transformou a rotina das mulheres jornalistas na Colômbia e Venezuela: mais horas na jornada de trabalho, mas sem aumento salarial.
Profissão híbrida: egressos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) dividem-se entre assessorias e redações. Atividades jornalísticas, como redigir e editar textos, ainda são maioria.
Transparência ainda é um valor pouco explorado pelos códigos deontológicos latino-americanos. Exceção à regra é a Argentina, que destaca a importância de mostrar quem são os financiadores das empresas de mídia.
Precisa de um levantamento sistematizado sobre a pesquisa em jornalismo móvel no Brasil? Este artigo vai ajudar.
METAS DESEJÁVEIS
O que mudou em quatro décadas de cobertura jornalística sobre minorias sexuais e de gênero? A partir de 2010, cresceram as pautas sobre diversidade, incluindo temas como “empoderamento” e “trajetórias individuais de sucesso”. No entanto, a diferença entre minorias é menos explorada, com poucas reportagens sobre desigualdade entre mulheres brancas e negras, e invisibilidade trans na comunidade LGBTQIA+.
O termo “populismo” adaptou-se a outros significados no primeiro ano de pandemia. Uma análise de artigos publicados em 17 veículos brasileiros identificou que a palavra foi mais associada ao discurso anticientífico, em parte graças à postura negacionista de Jair Bolsonaro.
Jornalistas brasileiros entendem que a objetividade é uma meta desejável, mesmo que não possa ser plenamente alcançada.
Muito se fala sobre a necessidade da prestação de contas ao público por parte das empresas de mídia — a chamada media accountability. Mas como isso pode acontecer na prática? Pesquisadores espanhóis elencaram onze indicadores que ajudam a avaliar este processo.
Para professores e alunos: Tópicos em jornalismo: redação e reportagem (editora Insular) reúne 43 verbetes com foco na prática laboratorial da profissão. Baixe!
SECOS & MOLHADOS
O Conselho de Jornalismo do Marrocos denunciou violações éticas de alguns meios e profissionais na cobertura do resgate do menino Rayan de um poço. Houve quem aproveitasse o clima de comoção pra fazer sensacionalismo. Não lembra o filme “A Montanha dos Sete Abutres"?
Novas formas de publicidade levantam questões sobre a integridade do jornalismo. No The Conversation, Michelle A. Amazeen reflete sobre publicidade nativa, conteúdo patrocinado e jornalismo de verdade.
O ano não começa antes do Carnaval, certo? Então, ainda dá tempo de ler as previsões e tendências para o jornalismo brasileiro em 2022, esforço da Abraji e Farol Jornalismo.
Para pensar: se houvesse mais diálogo na redação, os 186 da Folha precisariam recorrer a um abaixo-assinado público mostrando seu desconforto com viés racista no jornal?
Dicas de como os jornalistas podem proteger informantes.
Em tempos de Covid-19, que tal pensar em ética jornalística e bioética?
Ética jornalística e desinformação: uma entrevista com nossos pesquisadores do objETHOS. Assista!
“Ah, isso não é jornalismo! É ativismo!". Quantas vezes você já ouviu isso? Joshua Benton traz ideias muito lúcidas sobre este debate.
Um decálogo ético para influenciadores digitais.
No objETHOS e de olho na campanha eleitoral, Carlos Castilho lembra que a cobertura deve ir além das notícias.
AGENDE-SE
Fique atento para o Festival 3i que acontece de 15 a 25 de março. Serão 10 dias de discussões online sobre jornalismo digital e inovador. O melhor? Tudo gratuito!
“Repensando o ensino de jornalismo em uma era de mudanças” será o tema do World Journalism Education Council, que recebe resumos até 15 de fevereiro.
Vai até o dia 23 o prazo de propostas de trabalho no VII Congresso Internacional de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, em Coimbra (Portugal).
Pulando para o mês seguinte, a Estudos de Jornalismo e Mídia prorrogou o prazo para o tributo a Nilson Lage: até 6 de março. Um dos editores convidados é Samuel Lima, pesquisador do objETHOS.
Tradicionalíssimo na área, o congresso da Compós já tem data de realização: 6 a 10 de junho. Chamadas de trabalho vão até 10 de março.
Tem chamada especial sobre reportagem em quadrinhos na revista Sur Le Journalisme. Artigos completos até 15 de maio.
Não perca de vista essas chamadinhas da edição anterior: imaginários, identidades e o bicentenário da independência do Brasil (Mídia e Cotidiano — 21/02), ética da comunicação digital (Revista Mediterránea de Comunicación — 01/03), jornalismo e sociedade (Media & Jornalismo — 31/03).
Esta foi mais uma edição com curadoria de Dairan Paul & Rogério Christofoletti.
A próxima chega antes do Carnaval, em 23/02.
Esta é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.