Dá pra melhorar a cobertura de segurança e violência no Brasil?
Ediçãp 118: editoriais do Estadão + mulheres fotojornalistas + bolsas, cursos e eventos acadêmicos
Olá, assinante!
Você notou que esta newsletter voltou renovada das férias. Fizemos mudanças cosméticas em nosso visual, calibramos a linguagem e hoje trazemos mais uma novidadezinha: a partir desta edição, publicaremos entrevistas curtas com pesquisadores do jornalismo e da comunicação, abordando aspectos da ética profissional que mais interessam aos nossos assinantes.
A cada duas edições, intercalando com o já tradicional artigo comentado do Radar, traremos uma voz para ajudar a pensar os valores, as condutas e as ações do jornalismo. É o Radar Entrevista. Aproveite!
NÃO ESTAMOS SÓS
Na edição passada, alertamos para o pedido de vistas do ministro André Mendonça num processo no Supremo Tribunal Federal contra as ações do governo Bolsonaro de monitorar as redes sociais de parlamentares, ativistas e jornalistas. Apontamos que era absurda a medida que suspendeu o julgamento porque atrasava ainda mais a decisão do caso e porque o próprio André Mendonça fazia parte do governo quando o monitoramento foi feito. Ele era ministro da Justiça!
Tem mais gente preocupada com o caso. A Artigo 19, por exemplo, publicou nota pedindo que o julgamento seja retomado com a devida pressa e atenção. A nota lembra que a suspensão acontece em ano eleitoral: “Em um período como esse, toda e qualquer ação que pretenda calar ou impossibilitar a manifestação de caráter político (em especial, as de oposição a detentores de poder) deve ser tratada com cautela, sendo urgente a garantia de direitos para o acompanhamento livre e pleno do processo eleitoral pela Suprema Corte. Este é, historicamente, o fundamento da liberdade de expressão”.
Continuamos de olho…
NA MIRA DO ESTADÃO
Tem jornal que simplesmente não engole certos políticos. Mas a birra de O Estado de S.Paulo com Lula merece ser estudada.
Um rápido levantamento do repórter Daniel Camargos mostra que o jornal tem ido muito além da crítica e da fiscalização dos poderosos. Há uma espécie de “padrão”, e toda semana tem editorial malhando o ex-presidente da República. Segundo mostra Camargos, o atual favorito ao Planalto foi alvo de editoriais nos dias 23 e 30 de janeiro, 6, 13 e 17 de fevereiro, só pra citar os mais recentes. Para não perder o costume, teve texto contra Lula na edição de ontem, 22…
Editorial é o espaço de opinião da empresa jornalística; é onde soa a voz dos donos do jornal. Quanta atenção dada pelo Estadão ao pré-candidato! Parece até preocupação…
Com Lula tão favorito, não seria o caso de as redações iniciarem um debate sobre recalibragem de coberturas? Ou o ex-presidente deve ter o mesmo tratamento dado a Bolsonaro? Existe equivalência entre eles?
NOSSA COZINHA
A catraca anda girando sem parar aqui no objETHOS. Se você não pode passar no site para conferir nosso trabalho, não se preocupe. A gente ajuda:
Samuel Lima e Rogério Christofoletti debateram ética e desinformação com o pessoal do ObservInfo.
Publicamos uma nota contra a censura no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Assinamos o documento na companhia de entidades como a Abraji, Ajor e Artigo 19.
César Valente fez um resgate histórico de uma coluna semanal de Nilson Lage, publicada num jornal do litoral catarinense.
João Victor Gobbi Cassol escreve sobre o paradoxo da tolerância e o tratamento contra a amnésia.
O objETHOS está com vagas abertas para pesquisadores…
PENSATA
“A empresa tem a sua ética, que é a dos donos. Pode variar de jornal para jornal, mas o que os jornalistas deveriam exigir seria um tratamento mais ético da empresa em relação a ele e seus colegas. Isso não tem acontecido. É preciso uma atitude muito ética dentro da redação: os chefes e os responsáveis pelo jornal têm de dar o exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos. Um chefe de redação que tolera hipocrisia e golpes baixos contra funcionários do jornal perde a ética e o direito de usar essa palavra”
Cláudio Abramo, jornalista brasileiro
RADAR ENTREVISTA
Três perguntas para Hendryo André, professor substituto da UFPR e autor do livro “As margens e às margens do telejornalismo: como noticiários criminais fortalecem o conservadorismo das classes populares” (Ed. Insular):
Quais são os principais desafios éticos na produção de noticiários criminais?
São dois: entender que a estigmatização de personagens é apenas a implicação mais óbvia das narrativas sensacionalistas, e avaliar o sensacionalismo para além de um recurso econômico. Ele tem uma gênese cultural estruturante.
É quase impossível você consumir uma notícia sobre segurança pública que não se vincule, em maior ou menor grau, às instituições “família”, “trabalho” e “religião”. Por outro lado, você dificilmente verá uma discussão política sobre o tema.
Nas 180 horas de dois noticiários que analisei (Balanço Geral e Tribuna da Massa), não há nenhuma vinculação do problema da insegurança e violência com a falta de acesso à educação, à cultura e ao esporte. Eles vendem que eliminar o agente provocador, a figura social do bandido, é a solução. Noticiários criminais costumam reforçar a noção de vítima (vinculada à família, trabalhadora, com deus no coração e futuro promissor) que corre o risco de ser destruída por um criminoso (sujeito sem passado e apolítico).
Como o público percebe e assimila essas notícias?
É muito comum a percepção de que os personagens que aparecem como agressores nos telejornais detêm direitos sociais em demasia. As pessoas que entrevistei na tese de doutorado não tiveram acesso à educação formal ou à moradia digna, trabalhavam desde a infância e sofreram agressões físicas e sexuais. Para elas, o fato de um presidiário fazer três refeições diárias e ter acesso médico é um privilégio. A noção até certo ponto deturpada de cidadania faz com que o público produza sentidos aos conteúdos de violência, incluindo apologia à intolerância contra quem anda “fora da linha”.
Como jornalistas e empresas de mídia podem qualificar a cobertura sobre violência e segurança pública?
Há quem imagine que o foco seja censurar esses programas da televisão aberta ou, no mínimo, reduzir o teor de imagens apelativas. Acredito que isso seja enxugar gelo. Hoje, parte considerável dos noticiários criminais prioriza mais discursos moralistas do que o sangue em si.
Entendo que a qualificação da cobertura está no reforço ao papel político da profissão. Repórteres antigos costumam afirmar que o jornalismo criminal é uma espécie de escola, mas é uma escola que não tem, necessariamente, preocupações com o outro, com a exterioridade que o jornalismo deve procurar ao abordar um tema. Só na universidade é possível entender o sensacionalismo para além de um recurso econômico. Há espaços para se fazer um jornalismo popular, responsável, se apropriando de parte das características que a imprensa de teor sensacionalista usa para visibilizar grupos sociais historicamente marginalizados.
MULHERES FOTOJORNALISTAS
Como moderadores de conteúdo respondem a comentários odiosos? Vinte entrevistas com profissionais da Alemanha demonstram que não há percepções padronizadas sobre como lidar com conteúdos do tipo. São diferenças que se explicam pelas rotinas das organizações jornalísticas, mas também pela inconsistência sobre o próprio significado do termo “discurso de ódio”, concluem os autores.
Mais entrevistas, desta vez com mulheres de 18 países, evidenciam como a exclusão de gênero, aliada a fatores geopolíticos, isolam, precarizam e invisibilizam o trabalho de profissionais do fotojornalismo.
No ar mais uma edição do Journal of Media Ethics, periódico voltado a análises éticas sobre a comunicação. Destaque para um artigo que avalia como a publicação de conteúdos pagos colide com valores jornalísticos tradicionais.
SECOS & MOLHADOS
Que tal repensar o significado da objetividade no século 21? O repórter Andy Hirschfeld arrisca umas linhas.
Énois lançou uma régua de diversidade nas redações.
Cinco exemplos de jornalismo de soluções: dica do Laboratório de Periodismo.
Saúde mental dos jornalistas: como prevenir o burnout?
Em Portugal, a Entidade Reguladora da Comunicação manda emissora transmitir direito de resposta de ministro.
Ética e inovação como chaves para restaurar a confiança na mídia: um debate a partir do Quênia.
Nos EUA, o Center for Journalism Ethics anunciou finalistas do Shadid Award.
Repórteres Sem Fronteiras quer comprometer os partidos a defender jornalistas e a liberdade de imprensa nas eleições na França. Podíamos imitar, né?
Por aqui, TSE fechou acordos com as big techs para combater a desinformação nas eleições. Jornalistas precisam estar atentos a esses compromissos…
Ministro do Supremo suspende decisão que condenou jornalista a indenizar Luciano Hang por matéria de 2018. Demorou, né?!
AGENDE-SE
Hoje é o último dia para você se inscrever no curso gratuito LAI nas Redações promovido por Abraji e nossa parceira Fiquem Sabendo.
Objetividade no jornalismo é o primeiro tema da nova temporada do seminário Observações, organizado pelo Observatório da Mídia (UFES). Será amanhã, às 19h, no canal do YouTube, com participação de Rafael Paes, Laís Rócio e Marcos Paulo Silva.
Bolsa para jornalistas: The Intercept Brasil seleciona quatro pessoas negras para investigar pautas sobre violação de direitos pela indústria da tecnologia. Inscrições até 6 de março.
Transformações da esfera pública é o tema a ser discutido no 7º Congresso de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, com nova data para submissões: 12 de março.
Mais uma edição do Encontro Nacional de Ensino de Jornalismo vem aí: será em abril e as inscrições para apresentação de trabalhos vão até 7 de março. Neste ano, o evento é em modo híbrido, com apresentações remotas e presenciais na UFPI.
Também realizado no final de abril, o 7º Congresso Internacional Comunicación y Pensamiento recebe resumos (em português, inclusive) até 28 de março. Poder da comunicação e comunicação do poder é o tema.
27 de março é a data limite para submeter propostas ao International Congress on Disinformation and Fact-Checking, que será realizado no final de junho em Portugal, na Universidade NOVA de Lisboa.
Chamadas abertas até 2 de maio para a Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo (REBEJ), com temas livres.
Aliás, precisa de uma lista de revistas acadêmicas sobre comunicação e jornalismo? Dá uma olhada neste compilado feito pela Compós.
Chamadas das edições anteriores que ainda estão valendo: ética da comunicação digital (Revista Mediterránea de Comunicación — até 01/03); tributo a Nilson Lage (Estudos de Jornalismo e Mídia — 06/03); congresso da Compós (10/03); jornalismo e sociedade (Media & Jornalismo — 31/03); reportagem em quadrinhos (Sur Le Journalisme — 15/05).
De olho no Carnaval-que-não-acontecerá, Dairan Paul & Rogério Christofoletti produziram mais esta edição. A próxima newsletter chega aos assinantes em 9 de março.
Esta é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.