Deixem a comunicação pública em paz!
Edição 125: governantes miram a mídia, empresários miram a grana e populistas estão na mira dos jornais
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O poder adora um microfone e se excita diante das câmeras. Por isso, quando pode, estica seus tentáculos para controlar os meios de comunicação. No Ceará, o diretor da Rádio Universitária foi afastado porque não aceitou censura à programação. Em Brasília, o presidente da República vem transformando a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em uma máquina de propaganda pessoal. Nos dois casos: abuso de poder político e o desmantelamento da comunicação pública, prevista na Constituição e necessária para qualquer democracia.
Em Fortaleza, o afastamento do professor Nonato Lima, após 15 anos na função, gerou indignação do curso de Jornalismo da UFC e do Sindicato dos Jornalistas. O diretor se negou a mudar o programa de debates e não quis deixar de veicular músicas ligadas a africanidades. O reitor, indicado por Jair Bolsonaro contrariando o resultado da eleição na universidade, afastou Lima.
No Planalto, o aparelhamento segue firme. Reportagem da revista piauí detalha como o presidente vem tornando a TV Brasil cada vez mais sua. O estrangulamento iniciado no governo Temer deu lugar à proibição de temas e perguntas, ao controle das pautas e ao uso da emissora como palanque pessoal de Bolsonaro. Criada em 2007, a EBC nunca escapou de agressões da mídia mainstream. Foi jocosamente apelidada de “TV do Lula” — embora se mantivesse autônoma naquele governo —, e foi cobrada para dar altos índices de audiência — embora sempre mendigasse por verbas.
A EBC não é uma TV estatal, nem é a Rádio Universitária a emissora do reitor. A sociedade precisa ficar atenta aos ataques à comunicação pública. Ainda mais em ano eleitoral…
MASTIGADINHO
Nos últimos dias, publicamos dois textos em nosso site que você merece ler:
Clarissa Peixoto pergunta (e responde): Por que realizar coberturas sobre ocupações urbanas populares?
Vanessa Pedro costura relações entre eleições, jornalismo e história pública.
ZONA PERIGOSA
O 18º Congresso da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão teve o vice-presidente Hamilton Mourão e o governador do Estado Carlos Moisés como palestrantes. O primeiro é candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul e o segundo busca a reeleição. Nenhum deles tem trajetória ou expertise na área de radiodifusão. No entanto, podem influenciar ou definir a distribuição de verbas publicitárias que podem irrigar empresas de comunicação.
Uma perguntinha ética: com essa proximidade toda, como as empresas jornalísticas do setor podem cobrir criticamente esses ocupantes de cargos públicos?
Uma resposta ruim está aqui.
PENSATA
“O verdadeiro jornalismo é intencional, quer dizer, coloca um objetivo e trabalha para provocar algum tipo de mudança. Não existe outro jornalismo possível. Se lerem os escritos dos melhores comprovarão que se trata sempre de um jornalismo intencional. Estamos lutando por algo."
Ryszard Kapuscinski, jornalista polonês
RADAR
O que Folha de S.Paulo e Estadão querem dizer quando nomeiam Lula e Bolsonaro como políticos “populistas”? Para investigar os significados do termo, cinco pesquisadores da Universidade Federal do Ceará analisaram editoriais publicados no primeiro ano de mandato dos políticos.
Um dos resultados: o populismo é visto como termo pejorativo pelos jornais, ao contrário da literatura acadêmica que não emite juízo de valor sobre o conceito. Esta seria uma apropriação “errática e instrumentalizada” com o objetivo de “fazer uma falsa equivalência entre dois presidentes brasileiros”, escrevem os autores.
Estadão emprega mais vezes a palavra populismo para criticar tanto Lula quanto Bolsonaro. Na Folha as menções são menos frequentes e quase todas fazem referência ao atual presidente.
A crítica à figura populista de Lula atinge principalmente suas políticas econômicas, como programas de transferência de renda. Os sentidos são mais amplos no caso de Bolsonaro: ele é populista por ser um governante ineficiente, tomar medidas autoritárias e insuflar discursos demagógicos e messiânicos.
Os autores concluem que as nuances entre os veículos provam que a imprensa não é um bloco homogêneo. Identificam tendências liberais e de centro-direita na Folha, e uma perspectiva mais conservadora e de direita no Estadão. Mas, a despeito das diferenças, afirmam que a diversidade de posição dos jornais “ainda parece estar aquém do que se esperaria de um sistema democrático, onde a mídia deveria ser, de fato, pluralista”.
DIREITO AO ESQUECIMENTO
O artigo do bloco anterior é parte de um dossiê sobre mídia e populismo publicado pela revista portuguesa Mediapolis. Outros destaques: os enquadramentos antiambientais de Jair Bolsonaro, uma revisão sistemática sobre as relações entre populismo e jornalismo, e as estratégias populistas e liberais do Movimento Brasil Livre (MBL) no YouTube.
Uma discussão ética sobre usos e justificativas do direito ao esquecimento no jornalismo.
Seis pesquisadores assinam um estudo que compara a cobertura do Jornal Nacional sobre a pandemia nos anos de 2020 e 2021.
A relevância histórica do periódico Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal produzido regularmente no Brasil.
“Potencialidades da mídia não hegemônica nas dinâmicas urbanas” é o tema da nova edição da revista Cadernos NAUI.
SECOS & MOLHADOS
Na Inglaterra, The Guardian publicou novas orientações aos jornalistas para suas redes sociais. O jornal teme por tweets antigos e indiretas…
Em Angola, continua o processo de profissionalização do trabalho dos jornalistas. Ações miram quem não tem carteira e quem aceita suborno.
No Brasil, ainda celebramos os 10 anos da Lei de Acesso à Informação (LAI). Veja este especial do Farol Jornalismo e este relatório da Fiquem Sabendo, Insper e FGV. Não deixe de ouvir este podcast da Data Privacy Brasil que desmonta a tensão entre LGPD e LAI.
Mais um registro dos nossos esgotos: em Minas Gerais, um jornalista foi alvo de pedradas de um vereador!
No Ceará, o secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Estado defendeu a elaboração de um protocolo de segurança para jornalistas. Detalhamos esta ideia no dossiê que publicamos com a Fenaj!
No Rio de Janeiro e em Brasília, jornalistas da editora Globo paralisaram as atividades exigindo reajuste salarial digno e respeito por parte das empresas.
Na Folha de S.Paulo, foi criado um comitê de inclusão e equidade para diversidade no jornal. É uma reação à polêmica do racismo reverso.
Projeto Comprova está reforçando o time. Precisa mesmo: eleições à vista, né?!
Que tal pensar sobre ética e uso jornalístico do TikTok?
O sempre-influente Jeff Jarvis espalha preocupações éticas para jornalistas citarem fontes e referências.
Como os jornalistas do New York Times se apresentam às suas fontes? A Callie Holtermann conta neste texto, que pode inspirar outras redações.
Conhece o boletim do “chão de fábrica” do jornalismo? Leia a edição mais recente da newsletter Parem as Máquinas.
AGENDE-SE
Abertas as inscrições para o 9º Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo da Abraji, voltado a pesquisadores, estudantes de jornalismo e jornalistas recém-formados. Prazo: 12 de junho.
Estudantes de graduação também podem publicar, até 30 de junho, suas pesquisas de iniciação científica na Revista Brasileira Estudos da Mídia.
Jeduca e Itaú Social lançaram edital de bolsas para reportagens sobre educação. 30 de junho é a data-limite.
Mais uma pro final do mês: dossiê sobre desinformação, da revista Culturas Midiáticas, recebe artigos até… sim, 30 de junho!
O Congresso Ibero-Americano de Comunicação (Ibercom) deste ano será na Universidade do Porto, Portugal, no final de outubro. O período de submissão é durante todo o mês de junho, com opções de trabalho em português e espanhol.
Journal of Digital Media & Policy recebe textos sobre regulação de plataformas na América Latina. Você pode enviar o resumo até 4 de julho e o artigo completo somente em novembro.
“Acabar com a impunidade de ataques a jornalistas” é o tema de um simpósio internacional organizado pela Universidade Brigham Young, em novembro, virtualmente. Leia a chamada em português e submeta a sua proposta de apresentação até 15 de setembro.
Dairan Paul & Rogério Christofoletti assinam mais esta edição da newsletter. A próxima chegará por aí em 15 de junho, no meio das Festas Juninas. ;)
Esta é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.