Quem está precarizado levanta a mão!
Edição 129: máquina de moer gente + algoritmos, sindicato e igreja + um caminhão de eventos
Olá, assinante!
Se você trabalha em redação, sabe bem o que é isso. Se atua de casa ou presta serviços, também não escapa. Infelizmente, a precarização é uma condição cada vez mais disseminada e percebida nesta profissão, e isso não pode ser normalizado. A pandemia só fez piorar, sabemos hoje.
No dossiê Ataques ao Jornalismo e ao Seu Direito de Informação, nossa pesquisadora Janara Nicoletti mostra como este fator se infiltrou na rotina dos jornalistas e como vem minando sua dignidade e sobrevivência. Dados do perfil do jornalista brasileiro, divulgados recentemente, também acendem todos os alertas. Jornadas estendidas, salários baixos, riscos físicos e digitais, sobrecarga de responsabilidades, assédios moral e sexual têm tornado o jornalismo uma máquina de moer gente. Não é só no Brasil. Os colegas portugueses detectaram cenários preocupantes também, e não há razões para acreditar que vamos ter melhoria em breve.
Mas isso é tema para uma newsletter de ética jornalística? É sim! Afinal, as condições de produção ajudam a determinar os resultados finais dessa loucura que é viver para informar. Consegue ser plenamente ético quem está soterrado de coisas pra fazer? Pressa e cobranças aumentam os nossos cuidados éticos? O que empresas e empregadores têm feito para ajudar jornalistas a serem mais responsáveis em seu cotidiano?
Responder essas perguntas não reduz a pressão, mas aponta direções. Sem elas, caminhamos à deriva…
MASTIGADINHO
Julho no fim e você ainda não passou no site do objETHOS? Então, re-ce-ba!
O caso Julian Assange e por que não podemos olhar para o outro lado — por Kalianny Bezerra
O podcast da ética abandonada — por Rogério Christofoletti
Qual o prisma sobre a flexibilização do trabalho? — por João Victor Gobbi Cassol
PENSATA
“A imprensa é livre quando não depende nem da potência governamental nem das potências do dinheiro, mas sim, exclusivamente, da consciência dos jornalistas e dos leitores."
Federação Nacional da Imprensa Francesa, em documento de 1945.
RADAR ENTREVISTA 1
Três perguntas para Kérley Winques, autora da tese “Mediações algorítmicas e espiral do silêncio: as dimensões estruturantes igreja e sindicato na recepção de conteúdos noticiosos em plataformas digitais”:
O que são mediações algorítmicas e como interferem na circulação da desinformação?
Mediações algorítmicas não se resumem apenas ao algoritmo como um objeto técnico, mas envolvem todo um arcabouço comunicacional, social, cultural e político. As infraestruturas das plataformas digitais se conectam à vida das pessoas nos seus usos cotidianos e geram sentidos que extrapolam o próprio uso dos meios.
O objetivo principal da minha tese foi compreender como as mediações algorítmicas interferem na mediação e na recepção de notícias por integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato). No caso da desinformação, os participantes, em sua maioria, optam por Google e Facebook como principais canais de acesso a notícias. Não foram raras as menções a conteúdos de desinformação, como o Kit Gay e a relação de Marille Franco com organizações criminosas do Rio de Janeiro.
Os algoritmos, ao se depararem com questões individuais e socioculturais dos sujeitos, e se apropriarem de tais informações para fins econômicos, acabam por orientar, ampliar ou reduzir determinados discursos a partir de suas lógicas. São problemas contemporâneos que exigem o estabelecimento de políticas públicas, regulação democrática, maior transparência e accountability.
RADAR ENTREVISTA 2
Que diferenças e semelhanças você percebeu no consumo de notícias dos dois grupos que pesquisou?
A principal semelhança é a forte confiança nas informações ofertadas pelo ranking do Google. Ao serem questionados sobre qual a primeira atitude após perceberem que estão em dúvida sobre alguma informação, a grande maioria dos 16 entrevistados cita a plataforma de busca pertencente ao conglomerado Alphabet.
Essa legitimidade acontece porque, aparentemente, a ferramenta toma decisões que parecem justas e imparciais. Porém, há uma limitação no que é oferecido pelo Google. Com base nos algoritmos, a plataforma define o que é importante e relevante, mas isso não significa que os resultados sejam os melhores — muitos, inclusive, podem ser de desinformação e carregar preconceitos de raça, gênero e classe.
De outro lado, uma diferença, que ao mesmo tempo pode ser uma semelhança, é o forte vínculo dos entrevistados com as instituições de referência: a igreja e o sindicato. No caso do consumo e da confiança em veículos jornalísticos, por exemplo, a maioria dos evangélicos cita canais ligados à Igreja Universal, mais especificamente à Rede Record, como R7, Folha Universal e Record News. Já os professores, em geral, optam por portais alternativos, como Revista Fórum, CartaCapital, Blog da Cidadania, Pragmatismo Político e Brasil 247.
Embora tenha sido possível observar uma diversidade considerável de fontes noticiosas a partir do uso das plataformas digitais entre os entrevistados, é fato que essa diversidade é baseada em uma acumulação de fontes de notícias mais polarizadoras. Aspecto que demonstra, sobretudo, o quanto as mediações algorítmicas ampliam a circulação e a visibilidade de informações das dimensões socioculturais dos sujeitos.
RADAR ENTREVISTA 3
Você propõe na tese uma reconfiguração da espiral do silêncio. Quais são as implicações desse fenômeno no cenário político que você analisou?
A espiral do silêncio é uma teoria do campo da comunicação e do jornalismo escrita por Elizabeth Noelle-Neumann há 50 anos. O estudo que desenvolvi na tese, cujos principais resultados sobre a teoria foram publicados recentemente, trabalha com uma categorização da espiral do silêncio contemporânea marcada por quatro mecanismos: 1) acumulação; 2) consonância; 3) ubiquidade; e 4) anonimato.
Uma primeira implicação é a acumulação de portais de informação mais polarizados nos feeds e rankings dos sujeitos pesquisados. Já a segunda diz respeito ao modo como as plataformas digitais, unidas ao cotidiano, produzem efeitos na forma como os sujeitos percebem e produzem sentidos sobre os acontecimentos. Ao serem questionados sobre o principal problema do Brasil, seis meses após a eleição de Jair Bolsonaro, os evangélicos partilharam de duas visões predominantes: a corrupção e a família. No caso dos professores, foi possível perceber a forte presença da instituição escola e da educação na identificação do problema.
A automatização da esfera pública pode ampliar a consonância dos discursos e a polarização das narrativas em disputa, já que são priorizados os grupos mais visíveis, os quais são replicados dentro de cada espaço de conversação por meio das mediações algorítmicas e de efeitos de acumulação.
Dito isso, as implicações se revelam sobretudo na forma como os algoritmos criam assimetrias em torno de diferentes narrativas (jornalísticas ou de desinformação) que formam diversas espirais do silêncio. Estas, por sua vez, alimentam a formação da opinião pública e auxiliam na tomada de decisões e na construção da memória social. Tais assimetrias, por vezes invisíveis e de difícil acesso, tiveram impactos significativos na eleição de 2018 e, sem dúvida, terão consequências substanciais nas próximas eleições.
NOTÍCIAS NO DESERTO
Como o público jovem consome informação em cidades sem jornalismo local? Mídias sociais são a alternativa mais procurada, indica esta pesquisa realizada no interior do Pará. Já o vácuo de veículos jornalísticos é preenchido por informações provenientes das prefeituras e de influenciadores digitais.
Estão disponíveis os anais da última Compós. Dê uma olhada no GT de Jornalismo, principalmente.
Um mapeamento de instrumentos e práticas de transparência jornalística.
SECOS & MOLHADOS
Nosso pesquisador Carlos Castilho lista 13 dilemas para o jornalismo.
EBC não deu o assassinato do petista em Foz do Iguaçu. Preocupante.
Janela do prédio da Folha de S.Paulo foi atingida por um projétil. Apavorante.
Repórter da TV Gazeta (ES) foi ameaçada ao vivo por homem armado. Grave.
Clã Bolsonaro atacou a imprensa 801 vezes no Twitter. Inaceitável.
Natália Viana, da Pública, estreou nova newsletter: Democracia em Xeque.
Laboratório de Periodismo agora tem um podcast.
Você é professor de jornalismo? Participe desta pesquisa sobre trauma.
A democracia morre atrás dos muros de pagamento.
Pesquisa mostra que desinformação é a maior preocupação dos jornalistas.
Que tal um punhado de ideias para repensar o futuro do jornalismo?
AGENDE-SE
Eleições para a diretoria da Fenaj e para a Comissão Nacional de Ética acontecem hoje e amanhã. Saiba mais aqui.
Na Liinc, uma edição sobre algoritmos e plataformas digiais. Prazo: 31 de julho
Resumos expandidos até 2 de agosto para o 5º Simpósio de Comunicação Popular e Comunitária, que será realizado presencialmente na Universidade Estadual de Londrina entre 8 e 10 do mesmo mês.
No começo do próximo mês tem o 17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji. Será em modo híbrido.
2 de agosto também é a data-limite para enviar resumos ao 2º Seminário Jornalismo Contemporâneo, da Faculdade Cásper Líbero. Tratando de eleições e desinformação, o evento ocorre virtualmente em 23 e 24 de agosto.
Até 8 de agosto é o prazo para enviar artigos para o dossiê sobre estudos metodológicos em comunicação digital na Cadernos.info.
O 1º Colóquio Nacional sobre o Clima será de 24 a 26 de agosto, de forma remota e com inscrições gratuitas. Nossos parceiros da Fiquem Sabendo e da Rede Nacional de Combate à Desinformação estarão presentes!
Setembro é mês de evento sobre novos modelos de jornalismo lá na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Nesse mesmo mês, até dia 15, tem chamada aberta para um simpósio virtual sobre ataques contra jornalistas. Já o evento acontece apenas em novembro.
Temas livres para o próximo número da revista Cambiassu. Envie artigo até 19 de setembro.
Final de outubro tem o 9º Encontro Regional Sul de História da Mídia.
Também em outubro, mas em Portugal, tem Lusocom.
Esta edição teve curadoria de Dairan Paul & Rogério Christofoletti. A próxima chegará na sua caixa postal em 10 de agosto.
Esta é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.