Declaração de independência fora do 7 de setembro
Edição 113: empresários de mídia nos Pandora Papers + plataformização do jornalismo + perspectivas da profissão
Olá, assinante!
As aberturas desta newsletter quase sempre são críticas ao jornalismo, apontando para erros ou derrapadas. Não desta vez! Vamos falar de coisa boa e de coisa nova!
A revista piauí anunciou no início do mês que estaria trocando de mãos. Não, ela não foi vendida para nenhum banco ou fundo de investimento. Seu fundador, João Moreira Salles, criou um instituto sem fins lucrativos com um fundo patrimonial para administrar a publicação. Assim, a piauí vai ser “dona do próprio nariz”, pois não terá mais um dono, vai se reportar a um conselho editorial, e terá caixa para se manter, junto com as receitas de assinaturas.
O Instituto Artigo 220 — aquele da Constituição dedicado à liberdade de imprensa — vai funcionar como a Scott Trust, a fundação que mantém The Guardian no Reino Unido. No Brasil, é um modelo inédito, e representa uma busca radical por autonomia jornalística. Não é pouca coisa numa paisagem tão dependente de verbas de governos, refém de anunciantes predatórios e tão sensível a pressões políticas.
Iniciativas como a Pública e The Intercept Brasil também têm perseguido essa autonomia por outras vias, o que é igualmente bom. Vamos acompanhar este novo modelo da piauí. Que ele fortaleça o espírito do jornalismo nacional com mais independência!
DEU RUIM
Falamos dos Pandora Papers na edição passada e ainda tem veículo brasileiro que fecha os olhos para a maior investigação jornalística dos últimos tempos. A apuração revela offshores de 133 bilionários da lista da Forbes, e o Brasil é o 2º país com mais pessoas no ranking ligadas a empresas em paraísos fiscais.
Tem mais: pelo menos 8 empresários de mídia ou seus parentes são mencionados nos documentos, segundo o Poder360. A lista tem gente ligada à Globo, Jovem Pan, revista Isto É, RBS, Grupo Massa (do apresentador Ratinho) e por aí vai.
Dá pra entender o silêncio no setor. Percebe como é importante ter autonomia jornalística? Quando esses veículos poderão reportar os negócios de seus donos?
ARGENTINA & PORTUGAL
Dois estudos recentes ajudam a medir realidade e expectativa sobre a profissão jornalística em contextos diferentes, mas não tão distantes. O Foro de Periodismo Argentino (Fopea) divulgou resultados de uma pesquisa sobre jornalismo local. Os dados foram colhidos entre dezembro de 2020 e maio passado, e a precarização se consolida como uma tendência no jornalismo dos vizinhos.
Em Portugal, Carlos Camponez e João Miranda ouviram mais de mil estudantes de jornalismo para saber o que esperam da carreira. Muitos não acreditam que vão encontrar o primeiro emprego na sua área de formação, e mesmo assim, mantêm-se motivados. Presente e futuro estão nublados…
OBJETHOS
Juliana Freire Bezerra escreveu sobre a presença de Paulo Freire no jornalismo feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras.
Samuel Pantoja Lima participou de debate sobre democratização da comunicação em evento do Conselho Federal de Economia.
Vinícius Augusto Bressan Ferreira pergunta: Por que é tão difícil chamar a “direita” de “direita”?
A partir deste mês, recebemos a pesquisadora Julieti Sussi-Oliveira para uma estância internacional de cooperação científica.
BOLSOCARO
Mais três recomendações de jornalismo independente que chamaram a nossa atenção na última quinzena:
Racismo e economia do cuidado: 75,7% das adolescentes que se apresentam como chefes de família são negras. Reportagem da Gênero e Número trouxe análise sobre dados do IBGE.
Mercado Bolsocaro: Plural publicou uma ferramenta que mostra a variação do preço médio nos produtos de Curitiba entre março de 2018 e outubro de 2021. O gerente enlouqueceu!
Ordem no caos: a política de moderação do Reddit é descentralizada e voluntária, parecida com a Wikipédia. Núcleo Jornalismo explica que o modelo não é perfeito, e abre margem para agressões online contra moderadores.
RADAR
“Plataformização do jornalismo” é uma expressão cada vez mais comum de se ler por aí. Você sabe o que ela significa?
As chamadas big techs (Google, Facebook, Twitter...) são responsáveis por distribuir boa parte do conteúdo produzido por empresas jornalísticas. Mas isso não quer dizer que as plataformas são apenas um canal: elas também organizam as atividades de trabalho. Exemplo disso é a lógica opaca dos algoritmos, que privilegia determinadas informações em detrimento de outras. Sabe quem exercia esse controle antigamente? Sim, os jornais…
Para os seis autores deste artigo, o jornalismo se vê diante de um dilema clássico: quantidade versus qualidade. Seu conteúdo deve se basear nos valores editoriais ou ceder à lógica das plataformas em troca de mais visibilidade e interatividade com as audiências?
A plataformização do jornalismo é tão difundida que atinge inclusive as iniciativas que se pretendem independentes ou alternativas. Se, por um lado, as plataformas viabilizam a existência dessas organizações, também demandam mais agilidade e apagam as fronteiras entre vida pessoal e profissional dos jornalistas. Uma rotina de trabalho cada vez “menos rotineira”, mas nem por isso “menos frequente ou exaustiva”.
2 LIVROS + 2 ARTIGOS
Desde março de 2020, três grupos de pesquisa de Minas Gerais estudam as dinâmicas por trás de notícias falsas sobre o coronavírus. Os resultados estão no livro Sociedade da Desinformação e Infodemia. Baixe!
Para aguçar as sensibilidades, baixe Mídia & comportamento: relações entre comunicação e saúde mental.
Iniciativas cearenses de jornalismo que não fazem parte de conglomerados midiáticos são marcadas pelas relações informais de trabalho, sem contratação efetiva. A sustentabilidade financeira ainda é o maior desafio para a sua manutenção, apontam Rafael da Costa, Mayara de Araújo e Raphaelle Batista.
Uma análise interseccional de Sandra Banjac demonstra como a expectativa do público sul-africano sobre as notícias varia conforme marcadores de classe, raça e gênero. Artigo aberto na Digital Journalism.
SECOS & MOLHADOS
Jornalistas com deficiência quebram paradigmas nas redações da América Latina. Mas nunca é fácil. Matéria na Latam Journalism Review.
Quem vai bancar a mídia independente no Brasil? Um palpite.
Uma seleção de ferramentas gratuitas e pagas que vão te ajudar na inglória tarefa de transcrever áudios.
63 canais all-news de jornalismo internacional pra você acompanhar no YouTube. Curadoria de Pedro Aguiar, professor da UFF.
Para Carlos Castilho, a uberização da TV Globo aponta para uma nova realidade no jornalismo. No Observatório da Imprensa.
Aliás, a família Marinho voltou à presidência da Globo. Guilherme Ravache explica o porquê. Tem a ver com confiança e estabilidade…
Já o SBT arcou com indenização de R$ 348 mil por “reportagem” feita por Celso Russomanno em 1994 no Aqui Agora.
SBPJor anunciou os vencedores do Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo. A categoria sênior vai homenagear Nilson Lage postumamente.
Também foram divulgados os ganhadores do Vladimir Herzog.
Facebook está ferrando com as nossas sociedades, e Margareth Sullivan fala de uma solução radical no Washington Post (em inglês).
No The Guardian, Maria Ressa — Nobel da Paz neste ano com o russo Dmitry Muratov — dispara: o Facebook é “tendencioso contra os fatos” (em inglês).
Jornalismo cultural, intimidação e suborno. Uma patada de Alberto Olmos para El Confidencial (em espanhol).
Ainda na Espanha, Juan Carlos Laviana critica a infantilização do jornalismo que capitula às redes sociais para atrair os jovens (em espanhol).
Mas tem bronca contra a mídia aqui também. Eliane Brum, que acaba de ganhar o Prêmio Maria Moors Cabot, afirma: a imprensa também é responsável pela crise da democracia e pelas eleições de Trump e Bolsonaro.
Falando nele… Jair completou 1000 dias de governo. A Data.doc, central de jornalismo de dados de O Povo, fez um especial multimídia. Vale a pena navegar sem pressa por esta crônica da agonia da nossa democracia.
Por falar nisso, teve mais agressão de bolsonaristas a repórteres. Não respeitam nem dia santo…
AGENDE-SE
Hoje, 20, tem bate-papo sobre jornalismo independente e investigativo em comemoração aos oito anos da Amazônia Real. Participam da conversa as editoras e fundadoras Kátia Brasil e Elaíze Farias.
Inscrições abertas para a Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais, a Coda.Br 2021. Online, entre 8 e 13 de novembro, com a participação de Fernanda Campagnucci (Open Knowledge Brasil), Guilherme Felitti (Novelo Data), Cecília Olliveira (Fogo Cruzado), entre outros.
Mais quatro dias pra você se inscrever neste curso gratuito da Abraji sobre podcasts. É voltado a profissionais do Norte e Nordeste.
Edital da Marco Zero Conteúdo oferece cinco bolsas para a produção de reportagem sobre segurança pública e violência armada em Pernambuco. Os selecionados ainda terão mentoria com os editores da MZ.
Dois eventos acadêmicos que acontecem na Espanha e que podem interessar: 6º Congresso Internacional de Micromachismos recebe propostas de comunicação até 24 de outubro e 1º Congresso Internacional de Pesquisa e Transferência em Comunicação com prazo até 22 de novembro.
Mais alguns dias para fechar a chamada da revista Paulus sobre capitalismo de vigilância e comunicação, em 31 de outubro.
Dia 5 de novembro o Centro Dart para Jornalismo e Trauma promove a Conferência Global sobre Melhoria da Proteção, Integração e Saúde Mental de Jornalistas Refugiados.
A formação de comunicadores na Ibero-América é tema do próximo número da Contratexto, revista da Universidade de Lima. Encerra em 15 de novembro.
Anti-colonialismo, imperialismo, luta de classes... tudo isso e mais um pouco na chamada de artigos da revista Eptic sobre econômica política da informação. Prazo para envio: 10 de janeiro.
Não custa lembrar essas chamadas também: jornalismo e empreendedorismo (Brazilian Journalism Research — 30/11), jornalismo e futebol (Mediapolis — 30/11), jornalistas e construção midiática dos problemas públicos (Sur le journalisme— 01/12), radiojornalismo, democracia e cidadania (Esferas — 31/01/2022), ética da comunicação digital (Revista Mediterránea de Comunicación — 01/03/2022).
Dairan Paul e Rogério Christofoletti produziram mais esta newsletter. A próxima edição, só depois do feriado, em 3/11.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.