Já inventaram vacina contra erro jornalístico?
Edição 106: patriarcado nas redações + de olho na CPI + agenda lotada
Olá, assinante!
Fala a verdade: você também correu pra conferir o lote da sua vacina pra ver se ela não estava vencida!
Depois da manchete bombástica da Folha de S.Paulo, muita gente se descabelou. A sorte foi que o jornal derrapou, pois confiou ingenuamente nos dados oficiais. É justamente o contrário do que diz o Manual de Redação do próprio jornal: “Não hesite em voltar a fontes já consultadas para confrontar versões nem deixe de proceder à checagem de dados antes da publicação” (está na p. 74 da edição mais recente e, pasme!, em negrito).
Prefeituras contestaram a reportagem, e as redes sociais engrossaram o coro sobre a barrigada, obrigando a uma errata gigante, publicada quatro dias depois, uma eternidade nesse brasilzão acelerado. Quatro dias mais e foi a vez do ombudsman José Henrique Mariante martelar o que chamou de “jornalismo vencido”.
O episódio mostra o quanto, no jornalismo, a técnica está intimamente ligada à ética. O erro de procedimento provocou desinformação, gerou alarme social e, certamente, contribuiu para corroer ainda mais a credibilidade da Folha em particular e do jornalismo em geral.
Isso sim é um efeito adverso…
VIU ISSO AQUI?
Pazuello ganha 50% do Jornal Nacional: contexto e checagem justificam — por Vanessa da Rocha
Jornalismo, Neoliberalismo e Episteme — por Jéferson Silveira Dantas
Como tirar sentido do caos? Dominguetti na CPI da covid — por Vinícius Augusto Bressan Ferreira
Sem direito de envelhecer: a eterna juventude das apresentadoras de TV — Marta C. Machado
Tudo isso e mais no nosso site.
APESAR DE VOCÊ
Não adianta: mesmo com ameaças e intimidações, o jornalismo brasileiro independente continua firme e forte. Mais reportagens pra você salvar nos favoritos:
O trabalho investigativo do site De Olho nos Ruralistas irritou mais uma vez a bancada agro. No começo do mês, a repórter Julia Dolce denunciou forças militares que reprimem camponeses e atuam a favor de fazendeiros locais no interior de Tocantins.
Quase 900 imigrantes trabalham em condições análogas à escravidão em São Paulo. A Agência Mural foi atrás dos personagens dessa história. Especial produzido por Patricia Vilas Boas e Paulo Talarico.
Tá difícil de encontrar explicações complexas para os protestos em Cuba? Os vários fatores que desencadearam manifestações opositoras no país, as maiores desde 1994, são destrinchados em reportagem de Michele de Mello para o Brasil de Fato.
RADAR
Márcia Veiga tem um diagnóstico para a persistência do chamado “doisladismos” no jornalismo: os valores masculinistas que alimentam a ética jornalística e contribuem para a manutenção de desigualdades.
Nesta entrevista, ela explica que atributos como força, individualismo e prevalência da razão sobre a emoção são mais valorizados socialmente em detrimento de características tidas como femininas, como a escuta, o cuidado, a colaboração e a sensibilidade. É a lógica da heteronormatividade que convenciona noções do que é verdadeiro e correto.
No jornalismo, isso incide sobre cargos hierárquicos e editorias de maior prestígio nas redações (ocupadas principalmente por homens), e sobre valores que orientam a produção de notícias (a objetividade em nome de um suposto equilíbrio e a recorrência aos mesmos tipos de fontes masculinas).
Mas como lembra a pesquisadora, brechas existem e estão aí para serem ocupadas. Seus estudos mais recentes indicam a possibilidade de práticas mais reflexivas, inclusivas e diversas mesmo em grandes redações de jornalismo.
A saída é investir na formação profissional. Mexer nas estruturas de saber pode mover as estruturas de poder, aposta Veiga: “[Jornalistas] vão ser melhor habilitados, inclusive, para pautar a reivindicação desses temas e outras perspectivas junto às chefias e às empresas, pois terão seus argumentos ainda mais qualificados e evitarão o fenômeno da autocensura”.
DA AMAZÔNIA ATÉ PORTUGAL
A entrevista de Marcia Veiga dá a tônica para o dossiê “Narrativas jornalísticas, testemunhos e subjetividades” publicado pela revista Estudos em Jornalismo e Mídia, da UFSC. Destacamos alguns artigos deste e outros periódicos científicos:
Alisson Machado e Marlon Dias discutem a criação de narrativas moralistas e desumanizadoras sobre corpos transgêneros a partir de reportagem veiculada no programa Fantástico.
Crimes de estupro cresceram no Brasil segundo o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mas as matérias que repercutiram o relatório não souberam explorar dados com profundidade e contexto. Análise de Maria Clara Aquino.
O site Inumeráveis e o Memorial Covid-19, do G1, representaram uma “guinada moral” na cobertura jornalística da pandemia, argumenta Sonia Aguiar. Para ela , os projetos trouxeram sensibilidade às experiências de vida por trás dos números.
Um mapeamento de pesquisas sobre jornalismo e inovação, por Laura Storch e Bruna Meinen.
E-book publicado pelo Observatório da Imprensa em parceria com o Projor analisou quem são e qual tipo de conteúdo produzem os veículos jornalísticos de quatro estados da Amazônia Legal. Predominam releases no lugar de textos jornalísticos, ausência de editorias sobre meio ambiente e forte interesse por notícias sensacionalistas.
Jornalistas portugueses acreditam que a pandemia colocou o rigor da informação no centro das preocupações éticas do jornalismo. João Miranda, Joaquim Fidalgo e Paulo Martins aplicaram uma survey com 890 profissionais para entender o impacto da crise sanitária nas suas rotinas.
Mais de Portugal: 45% dos jornalistas que responderam à pesquisa de Carlos Camponez e Madalena Oliveira cogitaram mudar de profissão desde o início da pandemia, em março de 2020. O dado é mais alto entre os jovens, que também são pessimistas sobre a possibilidade de encontrar outro emprego no setor se fossem demitidos.
SECOS & MOLHADOS
Não dar voz e não bater palma pra maluco dançar. Cristina Tardáguila defende o silêncio estratégico.
Que tal um pacto para salvar o jornalismo? Um “new deal"…
A imprensa é parte do problema da segurança pública - uma canelada bem dada da Cecília Olliveira para o Enóis.
Tá todo o mundo deixando o Facebook, certo? Tem quem esteja voltando…
Jair Bolsonaro entrou pra lista dos predadores da liberdade de imprensa. Ninguém repercutiu com ele, mas já dá pra imaginar o que responderia.
Por falar no presidente, o advogado dele ameaçou a jornalista Juliana Dal Piva. Entidades repudiaram mais esse ataque. Repudiamos também!
A Geração Z acredita mais nos influencers que no jornalismo.
Em Angola, as primeiras carteiras profissionais começaram a ser distribuídas. Que mudanças isso trará ao jornalismo de lá?
Tem mentira na CPI que não dura 2 minutos. Graças ao fact-checking!
Baixe o relatório Boas Práticas de combate ao Assédio Virtual contra Jornalistas e Redações.
Quem manda na matéria: jornalistas ou seus patrões? O nome do jogo é autonomia e vale a pena ler este texto de Ivan Schuliaquer.
AGENDE-SE
Daqui a pouco, às 14h, o Observatório da Vida Agreste (UFPE) organiza conversa com Mariama Correia (Agência Pública) e Breno Pires (Estadão) sobre os casos Samuel Klein, Tratoraço e a compra de vacinas. Inscreva-se por e-mail para receber o link e acompanhar a conversa.
Também hoje, às 19h, tem debate com Sergio Spagnuolo (Núcleo Jornalismo e Volt Data Lab) sobre jornalismo de dados e desafios no acesso à informação. Promoção do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo, da Universidade Federal de Ouro Preto.
Você ainda tem tempo para participar do seminário “Jornalismo contemporâneo no contexto da desinformação”, que será realizado em agosto. O evento promovido pela pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero recebe resumos ou relatos de experiência até 19 de julho.
A FENAJ vai realizar uma série de seminários regionais online para debater a taxação das plataformas digitais e a criação do Fundo de Fomento ao Jornalismo. O primeiro será na região Norte em 20 de julho, com a presença de Maria José Braga (presidenta da FENAJ), Ivânia Vieira (professora da UFAM) e Kátia Brasil (cofundadora da agência Amazônia Real).
Tem debate sobre ética jornalística na pandemia no dia 28 desse mês, numa realização do Sindicato dos Jornalistas do Paraná.
Âncora — Revista Latino-Americana de Jornalismo recebe pesquisas sobre temas diversos até 20 de agosto, com publicação prevista para dezembro.
Discípulos de Adelmo Genro Filho, uni-vos! Tem dossiê sobre jornalismo como forma social de conhecimento na Líbero. Chamada aberta até 15 de setembro.
Ainda sobre o tema, daqui a uma semana tem uma mesa da SBPJor na SBPC!
Não esqueça do calendário de eventos do segundo semestre: no Intercom, as submissões vão até 12 de agosto, e na SBPJor até dia 15.
Chamadas que já passaram por aqui e ainda estão de pé: disputas éticas em tempos extremos (Mídia e Cotidiano — 20/07) concentração na Internet e propostas de regulação das plataformas (Eptic — 20/08), populismo, pós-verdade e mídias digitais, na Media & Jornalismo — 30/09); jornalismo e empreendedorismo (Brazilian Journalism Research — 30/11); jornalistas e construção midiática dos problemas públicos (Sur le journalisme — 01/12); liberdade de expressão e direitos humanos (Latin America Human Rights Studies — 20/12).
Esta edição foi produzida por
Rogério Christofoletti
&
Dairan Paul
, e ela é válida até chegar a próxima, em 28 de julho.
Esta newsletter é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.