Não se distraia. O presidente ainda é Bolsonaro
Edição 138: racismo em toda parte + 10 artigos da SBPJor + 3 e-books
Olá, assinante!
Não foi apenas por causa do sumiço de Bolsonaro que a imprensa passou a cobrir os passos do presidente eleito. Lula tem seu magnetismo pessoal, é verdade, e boa parte do país (e do mundo) alimenta muitas expectativas sobre seu terceiro mandato. Mas há razões subterrâneas que explicam a disposição de grandes veículos de já marcar forte o petista. Estariam esticando a corda diante da “ameaça” de regulação da mídia? A ferida do antipetismo ainda não cicatrizou nas redações? Ou é apenas o velho classismo e o eterno conservadorismo da imprensa de sempre? Não aprenderam nada depois de apanhar por quatro anos de Bolsonaro?
É evidente que o jornalismo precisa fiscalizar todo e qualquer governo. É claro também que nenhum jornalista deve aliviar as coisas para um político ou outro. Mas alguns não esperaram nem um mês do fechamento das urnas para morder os calcanhares do governo eleito, criticando o inchaço da equipe de transição, dando chilique por causa de Janja e da carona de avião para o Egito, exigindo nomes de ministros…
Lula precisa resgatar a institucionalidade das relações com diversas partes da sociedade, entre elas a imprensa. E a própria imprensa precisará calibrar melhor a sua cobertura do governo. Voltamos à normalidade? Talvez. Mas essas relações precisam ser reconstruídas, porque estão em frangalhos. Esta newsletter não defende que a imprensa passe panos para Lula, mas que o trate como ele é no momento: presidente eleito. Não dá pra jogar no colo dele todos os problemas que são de Bolsonaro até 31 de dezembro. Até lá, a imprensa precisa arreganhar os dentes para o Jair, porque há muita coisa a ser coberta e descoberta.
HORIZONTES
Não é novidade para ninguém que Lula terá muito trabalho pela frente. Setores da sociedade preocupados com os recuos na área da comunicação veem no novo governo a oportunidade de retomar debates deixados de lado nos últimos anos. Dezenas de entidades e centenas de profissionais assinaram uma carta aberta que serve de agenda para Lula & Cia. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) quer compromisso do presidente eleito com a democratização do setor e a defesa do jornalismo como bem público essencial.
RACISMO NOJENTO
Nas redes sociais, jornalista da TV Globo do DF foi alvo de ofensas racistas.
Estadão usou foto de negro em matéria sobre ataque neonazista no ES. Detalhe: o agressor é branco. Redes detonaram o jornal, que corrigiu o que chamou de “erro”.
Em Goiás, um juiz tirou vaga de professora negra e mandou nomear candidato branco em concurso para Comunicação na UFG. Detalhe: o concurso previa vaga para ações afirmativas. Mesmo assim, o segundo colocado entrou na justiça e teve ganho de causa, gerando revolta entre estudantes e professores do país todo.
EM NOSSO SITE
Se as mulheres são maioria no jornalismo brasileiro, por que elas ainda não são tratadas como iguais? Dairan Paul arrisca uma resposta.
Ainda não consegue vestir a amarelinha pra torcer pela seleção? A Mariane Nava também não, e esse é o menor dos problemas...
Baixe o dossiê que fizemos com a Fenaj que explica como a violência contra jornalistas afeta o seu direito à informação.
Aproveite e baixe também o e-book em que mostramos porque o jornalismo precisa ser mais transparente.
O objETHOS participou do Seminário Nacional de Sustentabilidade do Jornalismo, promovido pela Fenaj e Sindjorce. Veja aqui, aqui e aqui.
PENSATA
“Se sua mãe diz que te ama, verifique.”
Máxima do Chicago Tribune
RADAR
Nada mais, nada menos do que 118 trabalhos foram apresentados no 20º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, a SBPJor, que aconteceu neste mês na Universidade Federal do Ceará. Os anais do evento já estão disponíveis, e a gente selecionou dez pesquisas que chamaram a nossa atenção:
Quem são os jornalistas que atuam fora da mídia? Dados do último perfil sobre a categoria revelam que eles disputam espaço com profissionais de Relações Públicas e Marketing, e exercem atividades como assessoria, produção de conteúdo e gestão de redes. Além disso, recebem salários menores comparados aos trabalhadores da mídia.
Os princípios editoriais de uma revista digital feminista são os mesmos da grande imprensa? No geral, sim, o que desmistifica a ideia de que o jornalismo engajado em causas prezaria pela parcialidade. Mas há uma diferença: a transparência é um valor mais recorrente do que em veículos tradicionais.
Conteúdo enganoso e manipulação de contexto são duas das principais estratégias empregadas pelo site Terça Livre na disseminação de fake news. Uma delas foi a cobertura em defesa do voto impresso, o que contribuiu para a desconfiança da população sobre o processo eleitoral.
Credibilidade é um tema frequente nos manuais de jornalismo, mas discutido superficialmente e com poucas recomendações relacionadas à prática profissional.
Qual é o compromisso de veículos jornalísticos nacionais e estrangeiros com a acessibilidade? Não se trata de uma preocupação relevante para eles, afirma este estudo. O termo está mais associado a um discurso institucional do que a preocupações efetivas para a inclusão de boas práticas.
A presença de mulheres em podcasts de jornalismo esportivo ainda é tímida, no geral. Mas elas assumem protagonismo de nicho em programas delas, feitos por elas e sobre elas, revela um mapeamento.
Dignidade humana foi o valor que orientou a cobertura do Jornal Nacional sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Jovens jornalistas estão satisfeitos com seu trabalho, mas mostram sinais de cansaço, exaustão e desvalorização profissional. Quatro autores exploram essa aparente contradição.
Quão distantes estão as práticas jornalísticas dos princípios éticos expressos no Código da Fenaj?
Entretenimento e conhecimento são os valores-notícia predominantes no jornalismo infantojuvenil.
TRÊS E-BOOKS
Baixe o livro Apuração, redação e edição jornalística, organizado por Gislene Silva, Daisi Vogel e Terezinha Silva. Tem capítulo sobre ética jornalística…
Mais um e-book, dessa vez sobre a produção e edição de títulos jornalísticos.
Um terceiro: Transformações no mundo do trabalho do jornalismo.
Pra fechar, estudo do Instituto Reuters com executivos de mídia em 39 países identifica alterações nas redações pós-pandemia de Covid-19.
SECOS & MOLHADOS
O que aconteceu com o editor que cravou que o míssil caído na Polônia foi disparado pela Rússia? Imagine…
Uso de inteligência artificial promete novos horizontes no fotojornalismo. Mas imagine a quantidade de questões éticas a serem enfrentadas…
Na Espanha, discutem se só pode ser jornalista quem tem nível superior. 😮
No mesmo país, jornalistas frilas debatem sustentabilidade. 🙂 Aliás, que tal participar de uma pesquisa sobre freelancers no Brasil e Portugal? Aqui.
Não custa repetir: é preciso saber reconhecer erros no jornalismo.
Sikêra Jr. terá que indenizar Xuxa Meneghel por danos morais. Zero surpresa.
Jornalistas angolanos preocupados com recuos éticos no jornalismo local.
Na edição passada, lançamos questões éticas sobre a Copa do Mundo. Angélica Lúcio aumentou a lista. Pensou em mais dilemas? Diga pra gente!
Se o Twitter for mesmo pro espaço, o que o jornalismo perde? Pitacos aqui.
Youtube desmonetizou Jovem Pan por desinformação. Plataforma decidiu sozinha, sem pedido judicial. Big techs e mentiras? A gente vê por aqui.
O festival de violência contra jornalistas continua: teve repórter levando tapa e bolsonaristas agredindo equipe de jornalistas. Pesquisadoras lançam hoje, 30, base de dados automatizada sobre ataques. É preciso documentar a barbárie.
Se você acha que o menino jornalismo morreu, o que dirá da irmãzinha dele, a menina publicidade… Este anúncio da Folha de S.Paulo ilustra o nível da coisa…
AGENDE-SE
A revista Journalism Practice tem chamada aberta para artigos sobre sustentabilidade do jornalismo no Sul Global: resumos até 10 de janeiro.
A 7ª Media Ethics Conference será em março de 2023 na Universidade de Sevilla (Espanha). Propostas de comunicação em português, espanhol ou inglês são aceitas até 31 de janeiro.
Atenção para as chamadas que já passaram por aqui: economia política do futebol (23/12 — EPTIC); jornalismo e cultura streaming (01/2023 — Interin).
Se você chegou até aqui, a culpa é de Dairan Paul e Rogério Christofoletti, que produziram mais esta edição. A próxima virá num pendrive em 14 de dezembro.
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.