O ano em que vivemos em perigo
Edição 94: governo de detratores +coceira nas big techs + EBC e o jornalismo protocolar
Se você tem mais de 40, é bem provável que se lembre de Mel Gibson e Sigourney Weaver, jovens e lindos, vivendo os personagens do filme de Peter Weir. Eram estrangeiros numa Jacarta convulsionada em 1965, prestes a ver o ditador de plantão cair. “O ano em que vivemos em perigo" fala de jogos de poder, correspondentes internacionais e… de amor.
O filme de 2020 tem outras nuances. A ameaça não está mais restrita à Indonésia, mas ainda há tiranos para serem derrubados e jornalistas continuam a ser perseguidos e alvejados. Os ataques à categoria, os testes às democracias e a maior pandemia do nosso tempo foram as bases do roteiro de nossas vidas. Adaptar-se foi um imperativo, e sobreviver, a nossa principal preocupação.
Esta é a última newsletter do objETHOS neste ano. Aproveite!
PAGUEM POR NOTÍCIAS
Ao que parece, a grande ficha está caindo e o volume da gritaria está aumentando: as big techs precisam pagar pelos conteúdos jornalísticos que utilizam, afinal elas lucram com ele. Na Inglaterra, erguem-se vozes poderosas neste sentido. A Câmara dos Lordes divulgou um estudo sobre sustentabilidade do setor e Lord Gilbert de Panteg não mediu palavras. No The Guardian, o professor John Naughton (Open University) foi categórico: pelo bem da democracia, as grandes plataformas precisam botar a mão no bolso.
O Facebook até anunciou um gesto nessa direção, mas ainda é pouco para os ingleses. A partir de abril deve passar a funcionar um órgão regulador dos gigantes digitais na terra da Rainha. Isso The Crown não mostra, né?
SEUS DETRATORES!
Que o governo Bolsonaro destrata jornalistas e quer vê-los longe não é novidade nenhuma. Nos últimos dois anos, esta newsletter tem reproduzido muitos estudos que monitoram a escalada de violência oficial contra os mensageiros. Um dos mais recentes levantamentos é este, da Artigo 19, sobre violações e ataques a comunicadores. Para se ter uma ideia, o presidente e sua família já deram 449 declarações agressivas!
Uma novidade talvez seja a lista dos “detratores”, obtida pelo repórter Rubens Valente e que foi fornecida ao governo por uma empresa especialmente contratada para fazer este mapeamento. O documento indica ações de convencimento dos contrários e afagos aos simpáticos. Lembrou o dossiê dos antifascistas? Pois é. Teve gente que ficou chateado de não aparecer na lista, mas a coisa é séria e faz parte de uma estratégia de acosso, perseguição e cooptação.
CORRERIA DE FIM DE ANO
Não paramos nas últimas duas semanas!
No site do objETHOS, Vanessa Pedro analisou como as pesquisas de intenção de voto não medem mais o voto conservador direito e Andressa Kikuti mostrou como ataques misóginos a mulheres jornalistas também são ataques à liberdade de imprensa.
Mas tem mais!
Janara Nicoletti lançou o livro “Precarização e qualidade no jornalismo: condições de trabalho e seus impactos na notícia”, que é uma versão de sua tese de doutorado, a melhor do Brasil sobre jornalismo em 2020. E Samuel Lima co-organizou “Novos olhares sobre o trabalho no jornalismo brasileiro”, ao lado de Fábio Henrique Pereira, Paula Melani e Rafael Grohmann.
Lançamos também “Ética Jornalística e Pandemia: entrevistas com especialistas", reunindo 22 conversas com pesquisadores e jornalistas como Jeff Jarvis, Silvio Waisbord, Raquel Recuero, Flavia Lima, Fabiana Moraes e Márcia Franz Amaral…
RADAR
Na teoria, a comunicação pública deve contribuir para o desenvolvimento de consciências críticas. Consolidar o direito à informação em sociedades democráticas também é outra meta desejável...
Parece enrolação? Não é. Tá na lei!
Só que nossa maior representante, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), anda frágil, frágil. Cada vez mais constantes, as intervenções do governo sobre a instituição podem corroer seus princípios e colocar em xeque o papel público da estatal.
Tanto é que a cobertura feita pela Agência Brasil nas eleições de 2018 não correspondeu aos valores do próprio manual da EBC. Segundo a análise de Mariana de Carvalho, Francisco Verri e Gisele de Oliveira , a agência produziu um jornalismo “acomodado” e “protocolar”.
Quais resultados sustentam essa afirmação? 1) Alto número de matérias produzidas em torno de uma ou nenhuma fonte; 2) predomínio de pautas polêmicas, em detrimento de discussões sobre as plataformas políticas dos candidatos, e temas como políticas públicas, direitos humanos ou promoção da cidadania; 3) falta de diversidade geográfica na cobertura, compreferência pelo eixo Rio-São Paulo-Brasília; 4) pouca representação de movimentos sociais no noticiário.
Para os autores, o resultado não condiz “com o que se espera de um veículo público”. E você, o que achou? Escreve aí!
BANCADA BRANCA
Multimídia, hipertexto, interação... lembra das sete características clássicas do webjornalismo? Marco Bonito e Larissa dos Santos defendem uma oitava: a Acessibilidade Comunicativa para pessoas com deficiência sensorial.
A bancada do Jornal Nacional é um “espaço branco”, afirmam Taianne Gommes e Valquíria Kneipp. O artigo analisa a baixa representatividade racial no principal telejornal brasileiro.
Transparência das plataformas é condição necessária para o avanço no debate sobre regulamentação das fake news. Estudo de três pesquisadores analisa argumentos do legislativo brasileiro sobre o caso.
Diferenças e semelhanças entre as Leis de Acesso à Informação no Brasil e Argentina.
Vale a pena conferir os vários artigos sobre jornalismo no e-book “Narrativas Midiáticas Contemporâneas: epistemologias dissidentes”, com organização de Marta Maia e Mateus Yuri Passos.
SECOS & MOLHADOS
Como abordar vítimas e familiares envolvidos em violência contra a mulher, sem reviver traumas ou reforçar estereótipos machistas? UOL lançou um manual de boas práticas para coberturas do tipo.
Não é todo dia que se completa 18 aninhos. Parabéns para a Abraji!
Na Suíça, depois de 22 anos como ombudsman, Daniel Cornu se despede.
Na França, o Conselho Superior do Audiovisual afirma: a desinformação disparou no Twitter. É mesmo? Já ouviram falar de WhatsApp e de Brasil?
Em Portugal, entidades de classe querem que autoridades investiguem grupos que promovem desinformação.
Na Espanha, “cada vez mais, os meios apostam em transparência", afirma Elena Herrero-Beaumont, uma das autoras de um report sobre o tema.
Ainda na Europa: lançaram um plano de apoio aos meios de comunicação.
Já leu o último relatório do Reuters Institute sobre erosão de confiança nas notícias? Sem tempo, irmão? Uma síntese (em português!) aqui.
Por falar em credibilidade, a PUC-RS promoveu ontem uma tarde com debates incríveis sobre o tema. Confira as gravações em vídeo.
“O jornalismo brasileiro precisa discutir o fenômeno das reportagens-pedágio". É assim que começa o fio do repórter Allan de Abreu sobre esta questão ética.
Por falar em fio, confira este aqui da jornalista Natalia Mazotte sobre ouvir o outro lado.
É legal publicar conversas privadas ou áudios em redes sociais?
A Fiocruz quer saber como jornalistas brasileiros percebem o seu próprio trabalho de cobertura da crise sanitária. É o seu caso? Participe!
Globoplay lançou o documentário “Cercados”, que mostra alguns bastidores da cobertura da pandemia.
Natália Viana lembra dos 10 anos do maior vazamento de informações da história.
AGENDE-SE
Amanhã tem retrospectiva sobre cobertura de direitos humanos no Brasil em 2020. Promovido pela Repórteres sem Fronteiras, a live conta com a participação de Jamil Chade (UOL), Cecília Olliveira (Intercept Brasil), Elaíze Farias (Amazônia Real) e Vitória da Silva (Gênero e Número). Transmissão aqui.
Amanhã também é dia de Festival Gabo! “A ética não está escrita em pedra” é o tema desta mesa, com inscrições gratuitas.
Desdobre-se porque amanhã também tem o webinar “FAKE NEWS: O risco dos movimentos anti-vacina para a cura da Covid-19”, com Dráuzio Varella, Emmanuel Colombié (Repórteres Sem Fronteiras) e Natália Leal (Lupa).
Até 15 de janeiro dá pra enviar artigo para o periódico Ámbitos sobre ética e deontologia na crise sanitária. Em português ou español, vale?
18 de janeiro é o deadline do Congresso Hermes, que vai rolar em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.
Para o segundo dia de fevereiro, prepare aquele seu estudo sobre rádios universitárias no contexto dos ataques à ciência. Dossiê da Radiofonias.
O jornalismo na história contemporânea é tema do próximo dossiê organizado pela revista Media e Jornalismo. Submissões até 30 de março.
Um dia depois, em 31 de março, fecha o prazo para enviar seu artigo sobre infodemia, na próxima edição da Liinc. Mesmo dia da chamada sobre ética e comunicação no periódico Paulus.
Dairan Paul, Rogério Christofoletti, Mel Gibson e Sigourney Weaver
se despedem para voltar melhores e mais fortes no ano que vem. Quem sabe até vacinados...
Este é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.
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