O jornalismo que fala as verdades e faz calar os mentirosos
Edição 92: ética no trabalho de edição + Trump fora do ar + destaques do 18º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Olá, assinante!
Semanas agitadas neste planetinha mal-cuidado! As eleições nos Estados Unidos quase monopolizaram a atenção de quem ainda se interessa por notícia, o que fez com que o Amapá ficasse mais às escuras ainda. Tivemos ainda reportagem estremecendo as bases do Judiciário e outras duas polêmicas éticas no jornalismo.
Não se preocupe. Esprememos tudo nesta cartinha que você lê agora!
NOME AOS BOIS
Ainda repercute a reportagem do The Intercept Brasil sobre o julgamento do caso Mariana Ferrer. A denúncia mostra como pode ser humilhante o tratamento de uma vítima de estupro pela justiça brasileira. O caso tem muito a ensinar, aponta nossa pesquisadora Silvia Meirelles Leite.
A máquina de ódio não perdeu tempo e entrou em ação. Matilhas de cães raivosos avançaram sobre a repórter Schirlei Alves nas redes sociais, e ela sofreu uma intensa campanha de perseguição.
Houve quem criticasse a reportagem por inserir no título a expressão “estupro culposo” dando a entender que o tipo - inexistente no sistema jurídico - constasse da sentença. A equipe do TIB fez autocrítica, mas lembrou que o recurso é usual no jornalismo para fins didáticos. Não se trata apenas de reducionismo, mas edição jornalística de um tema complexo. Afinal, “rachadinha” e “pedalada fiscal” também não existem nos códigos Penal ou Civil, certo?
SEU MICROFONE ESTÁ DESLIGADO
Nos States, Donald Trump não se convenceu ainda. Seus advogados pediram recontagem de votos em várias partes. Durante a apuração, o republicano chegou a fazer pronunciamento encharcado de mentiras. As três maiores emissoras da TV aberta - ABC, NBC e CBS - pararam de retransmitir a fala de Trump, advertindo seus públicos de que eram afirmações sem qualquer evidência. Em bom português: não deixaram o homem espalhar mentiras ao vivo. Fato inédito.
Isso não impediu que a porta-voz de Trump voltasse a mentir. Aliás, a Fox interrompeu a fala dela pelo mesmo motivo. Na Folha de S.Paulo, Igor Gielow disse que a catarse das emissoras contra Trump abria um precedente ético complexo.
Será mesmo?! Não teriam elas demorado a agir? Ter deixado chegar a esse ponto não foi um tipo de negligência com a verdade dos fatos?
CENSURA OU EDIÇÃO?
Por falar em Estados Unidos e The Intercept, Glenn Greenwald anunciou sua demissão do site que ajudou a fundar. Na carta que trouxe a público, queixou-se de estar sendo censurado por seus editores, que rebateram, dizendo se tratar de edição comum no jornalismo. Greenwald bate na tecla da liberdade de expressão, princípio sobre o qual não pretende renunciar.
No Brasil, duas importantes jornalistas comentaram o caso. Tereza Cruvinel chama a atenção para as consequências do trabalho jornalístico nos rumos da política. Hildegard Angel fala de partidarismo de veículos de imprensa.
Qual a sua opinião sobre o caso? Conta pra gente!
IMAGEM E INTERESSE PÚBLICO
O júri do Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos excluiu um trabalho dos finalistas da categoria fotojornalismo. A decisão foi motivada pela reclamação formal da Hutukara Associação Yanomami (HAY), que argumentou que a fotografia de Joédson Alves violava o direito de imagem dos indígenas retratados.
O autor da foto reagiu, justificando que seu trabalho denunciava justamente o desrespeito aos direitos humanos dos yanomamis. “Eu era os olhos da sociedade sobre a violação do governo”, disse.
Este é um caso que alimenta debates sobre direitos de grupos vulneráveis e ética jornalística. Chama a atenção para outro aspecto também: invocar o interesse público pode não ser suficiente para justificar moralmente uma ação jornalística.
RADAR
Este ano não teve pequi, coffee break ou mesa de bar pós-congresso (snif...). Mas nem por isso deixou a desejar a qualidade dos trabalhos apresentados no 18º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo - SBPJor, para os íntimos.
Pelo contrário! É tanto estudo relevante que a gente até fica com dó de elencar apenas um ou outro destaque. Por isso, não deixe de acessar os anais do evento e conferir a seguir algumas pesquisas que chamaram a nossa atenção:
“Falta contexto!”: taí uma das críticas mais comuns aos textos jornalísticos. Mas o que raios quer dizer essa palavra nebulosa? Pra sanar a dúvida, Ana Paula Lückman propõe uma metodologia que analisa estratégias de contextualização no jornalismo.
35% dos leitores que responderam esta pesquisa associaram a definição de notícia àquilo que impacta diretamente suas vidas. A amostra de 484 participantes também conceituou a matéria-prima do jornalismo como “transmissão de informação” e “relato de fatos novos”.
Três artigos abordaram como a Covid-19 alterou rotinas nas redações. São estudos sobre o impacto nos jornalistas independentes do Ceará, nos departamentos de esporte das rádios e nas condições de trabalho das mulheres jornalistas.
Permanecer no trabalho ou mudar de profissão? Pesquisa com jornalistas do Recife indica que são poucos os que pretendem continuar a longo prazo na área. Insatisfação pessoal, baixo retorno financeiro e falta de autonomia são alguns dos motivos.
Ainda sobre precarização, Maria Ivete Fossá e Kauane Müller analisam as frágeis condições de trabalho em três agências de fact checking.
Pra finalizar: uma discussão filosófica sobre jornalismo declaratório a partir do conceito de objetividade.
ENTRE NEGACIONISMO E RESPONSABILIDADE
Já conseguiu ler os 298 trabalhos submetidos à SBPJor deste ano? Ótimo! Agora você pode conferir as últimas revistas científicas lançadas nesta quinzena:
Luiz Artur Ferraretto analisa como emissoras de rádio oscilaram entre posturas negacionistas e responsáveis durante a cobertura da pandemia. A pesquisa é parte do dossiê “Rádios e Catástrofes”.
Na P2P & Inovação, os conflitos morais nos serviços de geolocalização e coleta de dados para controle da Covid-19.
Mais SBPJor: baixe o e-book “Pesquisa em jornalismo e ética profissional”, com textos das redes de pesquisa do evento. Além disso, você encontra uma transcrição da fala de Tim Vos, pesquisador que abriu o evento no ano passado. O tema? Gatekeeping e novos dilemas ético-deontológicos, com comentário de Marcos Paulo da Silva.
Limites éticos no discurso de ódio propagado em editoriais e colunas opinativas de jornais estadunidenses.
Pra download: “Pedagogia do Jornalismo: desafios, experiências e inovações”, organizado por Eduardo Meditsch, Janaíne Kronbauer, e a pesquisadora do objETHOS Juliana Freire Bezerra.
SECOS & MOLHADOS
Na newsletter da Énóis, 12 dicas para captar recursos e financiar projetos de jornalismo.
México e Brasil lideram estatísticas de impunidade nos assassinatos contra jornalistas na América Latina. Por aqui, o festival de agressões continua. Em Santa Catarina, foi na praia; em Minas Gerais, no pronto socorro.
Ensaio publicado no Nexo discute por que é importante repensar o lugar dos pobres no jornalismo. Rafael Winch argumenta que a imprensa desumaniza classes populares e as limita às suas lamentações.
Mais uma do “jornalismo” policial: Record e Luiz Bacci foram condenados a pagar R$ 50 mil por acusar homem de matar enteada. O acusado foi chamado de “monstro” e “padastro cruel” no Cidade Alerta.
Para Flávio Bolsonaro, a melhor defesa é o ataque. Ao invés de se explicar, decidiu protocolar notícia-crime contra apresentadores do Jornal Nacional.
Pesquisa mostra como a Covid-19 afetou o jornalismo português. A investigação é assinada por Carlos Camponez, Joaquim Fidalgo, Madalena Oliveira e outros.
Ética no jornalismo esportivo pode ser ensinada por meio de filmes. É o que propõem dois pesquisadores da Universidad Complutense de Madrid.
Maurício Stycer lembra do jornalista que editou o debate Lula-Collor para o JN em 1989. Octavio Tostes morreu no final de outubro.
25 anos depois, uma entrevista da princesa Diana à BBC ainda repercute. Há quem veja indícios de mau jornalismo no que rendeu grande audiência…
Jornalistas catarinenses elegeram nova comissão de ética. Roseméri Laurindo, Sérgio Murillo de Andrade, Marli Vitali, Paulo Arenhart e Gastão Cassel assumem suas cadeiras no final do mês.
Morreu Ciro Marcondes Filho, um dos grandes pensadores da comunicação e do jornalismo. Assista a sua última palestra, no final de outubro. Obrigado, mestre!
Nossos pesquisadores apresentaram relatos de pesquisas em dois importantes eventos: o 18º congresso da SBPJor e o 15º da Alaic.
AGENDE-SE
Hoje tem live sobre ética e fake news a partir das 18 horas, na página do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.
Como ajudar sua avó a não compartilhar notícias falsas? Géssika Costa (Agência Tatu) explica amanhã no Redação Aberta. Inscreva-se ou veja depois no YouTube.
Tem curso gratuito sobre saúde mental para jornalistas começando em 17 de novembro. Inscrição e programação completa aqui.
Ética e deontologia na crise sanitária é um dos temas da chamada da revista Ámbitos, que recebe textos em português com deadline em 15 de janeiro.
Infodemia e o nosso futuro será o tema da Liinc em revista. Aceitam textos até 31 de março.
Final de março também é a deadline para submeter seu artigo ao dossiê “Comunicação, ética e ressignificação do humano”, editado pela revista Paulus. Publicação no primeiro semestre do próximo ano.
Sabe tudo de Jürgen Habermas? Tem chamada da Mediapolis sobre esfera pública, democracia e comunicação. Prazo: 31 de maio de 2021.
Vem aí mais um e-book gratuito do objETHOS. Spoiler: é sobre a pandemia…
Rogério Christofoletti
&
Dairan Paul
sobrevivem como podem ao final do semestre. Esperam encontrar você na próxima edição, em 25 de novembro.
Este é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.