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O que a ética do cuidado pode ensinar ao jornalismo?
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O que a ética do cuidado pode ensinar ao jornalismo?

Edição 121: projeto de perseguição + PL das fake news + agenda cheia de oportunidades

objETHOS
Apr 6, 2022
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O que a ética do cuidado pode ensinar ao jornalismo?
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Olá, assinante!

Infelizmente, temos nos repetido, mas como deixar de denunciar a enxurrada de violências cotidianas contra o jornalismo? Não dá pra se calar!

Colecionamos agressões que já fazem do Brasil um dos países mais violentos do mundo para os jornalistas. O ataque covarde do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é só o mais recente: ele debochou da tortura sofrida por Miriam Leitão durante a ditadura, quando estava grávida. A Abraji repudiou e a Fenaj exigiu a perda do mandato do parlamentar pelo crime de apologia à tortura. Partidos acionaram o Comitê de Ética da Câmara, pedindo providências. Mas lembramos: há um ano, o mesmo comitê livrou o político por defender a volta do AI-5. Cartas marcadas!

O episódio não é isolado. Faz parte de um projeto de perseguição ao jornalismo, usando cargos políticos e órgãos públicos, como a Polícia Militar do Distrito Federal que tentou prender o jornalista Sylvio Costa em sua própria casa, em plena festa de aniversário, quando gritava “Fora Bolsonaro!”.

Em outras ocasiões, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Advocacia Geral da União, e seguranças pessoais do presidente da República foram usados para intimidar jornalistas. É o que se pode chamar de violência de Estado contra o direito à informação e contra o direito de exercer uma profissão. A conclusão é simples: o bolsonarismo quer acabar com o jornalismo crítico e independente.

Amanhã é dia do jornalista, e só tem um jeito de marcar a data: insistir no jornalismo.

Leia as edições anteriores


PL DAS FAKE NEWS

Com texto pronto para ir à votação na Câmara Federal, o Projeto de Lei nº 2630, chamado de PL das Fake News, ainda arrepia muita gente. No domingo passado, o Google despejou dinheiro em alguns dos principais jornais impressos do país, tocando o terror: anúncios de página inteira diziam que a nova lei poderia “obrigar o Google a financiar fake news”. É mais um capítulo do lobby escancarado das big techs.

O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) rebateu.

Eletronic Frontier Foundation e Coalizão Direitos na Rede — que reúne a sociedade civil — estão com campanha para pressionar os deputados a tirarem do PL o trecho que obriga as plataformas a pagarem por conteúdo jornalístico. Parece estranho, mas não é. As entidades entendem que a matéria é muito séria para ser colocada como um artigo em lei tão ampla, e que o assunto precisa ser mais discutido e ter regras próprias para isso. A coisa está longe de ser consenso.

Já dissemos isso em novembro, mas não custa repetir: todos precisam ficar atentos à tramitação deste projeto de lei. Afinal, vai afetar todo o mundo.


PASSA LÁ!

Sem tempo, irmão?! Não deu pra ler o que publicamos no site nos últimos tempos?

Respira. Tá na mão:

  • Lívia Vieira mostra que a cobertura da eleição presidencial exigirá jornalismo ético, mais do nunca. E ela aponta quatro modos de fazer isso.

  • Jéferson Silveira Dantas não mede as palavras e defende um caminho para combater a miséria do bolsonarismo e seu planetário de fake news.


PENSATA

“Quando eu era um jovem repórter, aprendi que a exploração do sofrimento alheio para vender mais jornais ou ganhar mais votos é imoral.”

Juan Luis Cebrián, publisher espanhol


RADAR ENTREVISTA

Três perguntas para Barbara Nickel, jornalista e autora da tese de doutorado “O cuidado como prática e como valor: uma proposta de ética jornalística feminista”:

O que é a ética do cuidado?

Como outras propostas feministas, a ética do cuidado não funciona como um conjunto de princípios abstratos ou gerais, mas como perspectiva a ser adotada em situações concretas e localizadas. O cuidado é valorizado de maneira central, como aquilo que permite nossa sobrevivência no mundo, nossa dignidade e nosso bem-estar. A partir daí, encontra-se uma visão de sujeito que é relacional e interdependente, cuja existência depende de uma ampla teia de condições. Enxergar as responsabilidades individuais e coletivas — como estão distribuídas hoje, como seria uma distribuição mais justa — é uma discussão importante para uma ética feminista do cuidado, pois contribui para ampliação de olhares sobre desigualdades e injustiças sociais, raciais, de gênero e ambientais, por exemplo.

Como ela nos ajuda a repensar a ética jornalística?

Para o jornalismo, uma das discussões interessantes que ela poderia trazer é sobre nossas próprias relações de trabalho (e relação com o trabalho). Por exemplo, se jornalistas têm jornadas exaustivas, baixos salários e cada vez menos acesso a direitos trabalhistas, é possível que o jornalismo se torne uma profissão pouco sustentável para jovens que têm responsabilidades importantes de cuidado em suas famílias e comunidades, o que acaba também limitando as perspectivas e histórias que uma redação é capaz de perceber e contar.

Tradicionalmente, a ética jornalística pressupõe um sujeito independente e autônomo. Temos, muitas vezes, dificuldade de nos percebermos como parte dessa rede interdependente que a ética do cuidado revela. O produto jornalístico também, em geral, tende a pressupor um leitor, um consumidor, que é capaz de existir e agir de maneira autônoma. Entendo que o tipo de desafio que o mundo contemporâneo nos coloca — desigualdades, desastres e crimes ambientais, pandemias, exaustão generalizada — exige uma importante e urgente revisão de quais pautas importam, quem consegue essas histórias, sob quais condições. E a ética do cuidado poderia contribuir para o debate.

Quais exemplos seguem essa proposta no jornalismo brasileiro?

A ética do cuidado reconhece que só somos capazes de agir “tão bem quanto possível”. Menciono um exemplo, citado também na tese: o podcast Praia dos Ossos, que, ao retomar a história de um crime cometido há 40 anos, provoca reflexões sobre a cobertura jornalística da época, os papéis sociais de homens e mulheres, o despertar do movimento feminista brasileiro em reação à persistente realidade da violência doméstica e os avanços do sistema de justiça — além de, em diversos momentos, revelar como foram tomadas certas decisões editoriais nos episódios. Como conteúdo, é um produto que nos oferece essa visão mais ampla.

Acredito que muito do que a jornalista e pesquisadora Fabiana Moraes apresenta em seus trabalhos e artigos também está alinhado a essa perspectiva, mesmo que não seja o seu foco e a ética do cuidado nem seja nomeada.

Acho importante dizer que pode haver profissionais fazendo essas reflexões ou mesmo redações trazendo-as para debates, e uma das limitações do meu trabalho é não conhecê-las. Quero dizer, com isso, que desconheço exemplos que tenham sido intencionalmente movidos por uma ética do cuidado, já que essa é uma perspectiva quase nada ou muito pouco discutida em nossa área. Também não considero possível seguir essa proposta integral ou perfeitamente, já que a prática do cuidado, em si, está sempre sujeita às condições imperfeitas das nossas circunstâncias diárias.


VALORES E VIRTUDES

  • Pautas sobre risco, comportamento e consumo são as que mais priorizam crianças como fontes, segundo esta análise de edições da revista Veja.

  • Em Santa Catarina, iniciativas de jornalismo independente podem representar uma inovação social, mas ainda esbarram no velho problema da sustentabilidade.

  • As lições morais do filme Spotlight e a exaltação do jornalismo virtuoso.


SECOS & MOLHADOS

  • Os números melhoraram, mas a pandemia não acabou. A Fenaj atualizou seu dossiê sobre jornalistas mortos pela Covid-19: tivemos 1 morte a cada 2 dias.

  • No Poynter, um artigo diz para jornalistas repensarem sua relação com erros e correções. Nossa pesquisadora, Livia Vieira, fala disso há anos. Sua dissertação de mestrado até ganhou prêmio…

  • Por falar em pesquisadora do objETHOS, Sylvia Moretzsohn é a entrevistada do mais recente episódio do Diálogos ObservInfo. É sobre objetividade!

  • A justiça paulista condenou Sikêra Jr. a pagar indenização de R$ 300 mil a Xuxa Meneghel. Não foi jornalismo nem liberdade de expressão.

  • No Pará, um apresentador chamou estudante negro assassinado de “criminoso” e revoltou familiares. Até quando o jornalismo justiceiro vai provocar vítimas?

  • No Espírito Santo, nosso parceiro de Renoi, o Observatório da Mídia fechou parceria com a Transparência Capixaba para monitorar prefeituras.

  • Conhece o Manchetempo? É um projeto da UFF que republica primeiras páginas de fatos históricos. Os professores Pedro Aguiar, Bárbara Emanuel e Adriana Barsotti lideram a iniciativa.

  • Ficou sabendo da Tornavoz? A associação foi criada por advogadas para defender jornalistas em processos judiciais no exercício da profissão. Mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+ são as prioridades.

  • No Peru, o Colégio de Periodistas publicou nota preocupada com o assédio judicial e outras formas de criminalização dos jornalistas.

  • Por aqui, a campanha eleitoral já atiça a sociedade. A CNN Brasil divulgou seu posicionamento para a cobertura. Vamos ver mais meios fazendo o mesmo?

  • Abraji denuncia: 4 de 9 presidenciáveis bloqueiam jornalistas no Twitter.

  • Fenaj critica Wikipedia por chamar meios brasileiros de “fontes não confiáveis”.

  • “Não somos fixers; somos jornalistas”. Mais um importante debate sobre condições de trabalho dos jornalistas na Guerra da Ucrânia.

  • Você deve lembrar do assassinato de Möise Kabagambe em um quiosque do Rio de Janeiro no começo desse ano. Pesquisa do Aláfia Lab identificou que menos de 10% das menções ao crime nas redes sociais vincularam o caso à questão racial.


AGENDE-SE

  • Se você está na Itália, dê uma chegadinha em Perugia, no Festival Internacional de Jornalismo. Vai até dia 10.

  • Na sexta, 8, tem o Seminário online Desinformação, desigualdades de comunicação e regulação, do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade.

  • Será em novembro, na Federal Fluminense, a terceira edição do congresso TeleVisões. Quer apresentar trabalho? Organize-se para submetê-lo até dia 28 desse mês.

  • Que tal participar do próximo congresso da ALAIC? Será em Buenos Aires, com apresentações remotas ou presenciais. Os 19 Grupos de Trabalho recebem resumos ampliados até 20 de maio.

  • A Transparência Brasil está com vagas abertas para estagiário de jornalista e analista de comunicação.

  • Em 15 de abril termina o prazo para envio de resumo simples no dossiê da Fronteiras sobre inteligência artificial. Texto completo só no final de agosto.

  • Um dossiê em homenagem ao professor Ciro Marcondes será editado pela revista Paulus. 30 de abril é o prazo máximo para mandar textos.

  • “Políticas de comunicação para um Brasil democrático” é o título da nova chamada de artigos na Eptic. O número será coordenado por Murilo César Ramos e Helena Martins. Prazo: 30 de maio.

  • Na revista Culturas Midiáticas, chamada aberta para o tema da desinformação. Letramento midiático, crise de credibilidade e infraestrutura das plataformas digitais são alguns dos tópicos aceitos no dossiê. Artigos até 30 de junho.

  • Relembrando algumas chamadas ainda de pé: dossiês sobre jornalismo e sociedade (Media & Jornalismo — 20/04), mitologias na atividade jornalística (Esferas — 30/04) e reportagem em quadrinhos (Sur Le Journalisme— 15/05); 7º Congresso de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público (09/05).


A próxima newsletter chegará na sua caixa de emails no dia 20. Se nada mudar, ela será produzida por Dairan Paul & Rogério Christofoletti, que também respondem por esta edição

Esta é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.

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