O que jornalistas podem esperar de Lula?
Edição 136: esperanças + diário de uma eleição surreal + ensino de ética jornalística
Olá, assinante!
Esperamos que não esteja lendo esta newsletter numa fila de estrada, por causa de algum bloqueio de inconformados. Se estiver, sentimos muito. A culpa é do Lula e do PT, que venceram as eleições. 😉
Aliás, a partir de 1º de janeiro, eles serão governo e já tem repórter se preparando pra morder os calcanhares do poder. Tá certo, faz parte! Mas como será a relação do novo inquilino do Alvorada com jornalistas? “No tocante à imprensa”, os últimos quatro anos foram marcados por ataques e muita truculência de Bolsonaro, “talquei?”
Do futuro, ninguém sabe, mas no passado, o relacionamento com Lula foi bem diferente. Atritos são naturais entre governantes e imprensa, mas esperamos que o tratamento dispensado por Lula ao jornalismo seja marcado pelo respeito mútuo e regido pela institucionalidade. Que a presidência da República e os órgãos de Estado protejam jornalistas em risco e não os persigam; que leis sejam cumpridas, que impere a civilidade e que não haja mais violência contra repórteres, principalmente as mulheres, sistematicamente agredidas por Bolsonaro. Esperamos também que o novo governo tenha um sério compromisso com a transparência. Para o bem da sociedade.
APANHADÃO DA ELEIÇÃO
Vocês viveram tudo isso, mas não custa lembrar. Inclusive para não esquecermos.
18/out: Tribunal Superior Eleitoral proibiu comentaristas da Jovem Pan News de espalhar desinformação sobre Lula. A emissora se queixou de censura.
19: Especialistas avaliaram o impacto da decisão. Entidades profissionais e acadêmicas não viram censura no caso e apoiaram a decisão da Justiça Eleitoral, frisando que desinformação não é jornalismo.
21: Coalizão Direitos na Rede publicou parecer técnico com sugestões para combater a desinformação nas redes sociais e aplicativos de mensagem. Ainda dava tempo de fazer algo…
24: Roberto Jefferson atirou e lançou granadas contra policiais federais, e teve agressão a repórter cinematográfico da filiada da Rede Globo. O agressor perdeu o emprego, e o jornalista passa bem. Jornalistas lançaram manifesto em apoio à democracia, ao TSE e à chapa Lula-Alckmin. Entidades acadêmicas também.
25: Jovem Pan News afastou três comentaristas após descumprirem as decisões do TSE. Uma faxina aconteceria logo depois das eleições.
27: Testando o seu sistema, O Globo publicou dados fictícios sobre apuração, o que alimentou teorias de conspiração de fraude. Precisou se explicar. Agência Pública e jornalista sofreram ameaças de violência física e ataques orquestrados. Houve repúdio de entidades sindicais. O repórter cinematográfico que filmou o candidato Tarcísio de Freitas no incidente com tiros em Paraisópolis que teve um morto pediu demissão da Jovem Pan.
28: Sindicato dos jornalistas condenou novo ataque misógino a jornalista durante debate ao governo do Rio Grande do Sul.
29: Deputada Carla Zambelli perseguiu e apontou pistola para um cidadão. Entidades prestaram solidariedade ao jornalista, que é negro e estava desarmado.
30: 124 milhões de brasileiros foram às urnas.
31: Jornais estamparam a vitória de Lula. Como o silêncio de Bolsonaro se arrastava, teve até editorial da Jovem Pan cobrando reconhecimento de derrota… Que final de temporada!
OUTROS 500
Quem passa pelo nosso site, sabe: toda segunda-feira tem comentário semanal, abordando o jornalismo e suas relações com a sociedade, a ética e a conduta dos jornalistas. Pois chegamos à marca de 500 comentários semanais! Nossa pesquisadora associada, Livia de Souza Vieira fez um belo panorama desta caminhada. Aline Rios, por sua vez, celebrou o Dia Nacional da Democracia para lembrar o legado de Vladimir Herzog, jornalista morto pela ditadura há 47 anos. Assombrado pelo festival de desinformação da campanha eleitoral, Rogério Christofoletti perguntou se alguém é livre para mentir. Impactado pelo resultado das eleições, Jéferson Silveira Dantas apontou para os desafios da convivência com quem escolheu a barbárie nas urnas. Em participação especial, Jonuel Gonçalves mostrou como a mídia brasileira se apoia em estereótipos para falar da África.
CONGRESSO DE ÉTICA
Em março de 2023, acontece a 7ª edição da Media Ethics Conference, congresso que reúne em Sevilha (Espanha) pesquisadores sobre ética da comunicação do mundo inteiro. Para facilitar a participação, os dois primeiros dias - 14 e 15 - terão sessões online, e os dois seguintes, atividades presenciais. Vulnerabilidade é o tema do evento, estendendo discussões sobre a fragilidade de pessoas e minorias, também também tratando de fragilidades da ordem democrática, da cultura e meio ambiente. Outros assuntos relacionados à ética jornalística e da comunicação também vão ocupar as mesas de debates. Resumos de comunicação em português, espanhol ou inglês - de 500 a 1000 palavras - poderão ser enviadas até 31 de janeiro.
Mais informações em https://mediaethicsconference.com
PENSATA
“Não só existe uma coisa chamada verdade objetiva, como dizer a verdade é de suma importância. Não podemos controlar se os representantes do nosso governo nos mentem. Mas podemos controlar se os responsabilizamos por essas mentiras..."
- Michiko Kakutani, crítica literária
RADAR ENTREVISTA 1
Três perguntas para Guilherme Carvalho, professor de Jornalismo (Uninter/UEPG) e editor da Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo (Rebej):
Quais os principais desafios para professores que ensinam ética jornalística?
O debate a respeito da ética jornalística e formação representa, de alguma maneira, o histórico distanciamento entre teoria e prática, a partir do qual se observa o dualismo entre universidade e mercado. Se ética é aplicação, atitude, enfrentamento de dilemas cotidianos, portanto ocorrências próprias do mercado de trabalho, de que modo os cursos de jornalismo podem promover a ética entre os futuros profissionais considerando que o ambiente acadêmico é capaz, de no máximo, reproduzir em caráter laboratorial, com fins avaliativos, condições que permitam o exercício ético? Esta questão é precedida por uma outra que me parece ainda muito pertinente: é possível ensinar ética jornalística?
Eu diria que é possível apresentar códigos deontológicos, o desenvolvimento histórico da profissão e sua relação com a ética, trazer estudos de caso para que os alunos avaliem e se coloquem no lugar de profissionais que passaram por situações críticas. A partir deste olhar histórico, documental e referencial, a ética pode ser ensinada. Mas, como qualquer outra competência fundamental ao exercício da profissão, a contribuição das universidades para a formação profissional tem se limitado às produções para fins avaliativos, com pouca inserção social.
Partindo desta perspectiva crítica, portanto, creio que é preciso avançarmos ainda mais na construção de pontes que permitam à sociedade encontrar, no âmbito das instituições de ensino superior, mais do que formadoras de profissionais. Projetos de pesquisa aplicada, pesquisas em parceria com organizações jornalísticas, com ou sem fins lucrativos, iniciativas de produção e publicação supervisionada por profissionais e orientadas por professores em jornais de referência e oferta de jornais universitários que ultrapassem de fato os limites da própria instituição, oferecendo um serviço à sociedade, seriam ótimas oportunidades para aprimorar a formação ética. O problema para avançar nesse sentido a gente já conhece. Está na falta de recursos humanos e financeiros e em uma tradição que tende a afastar o campo acadêmico do profissional.
RADAR ENTREVISTA 2
Como editor da Rebej, você vem acompanhando de perto as discussões sobre docência. Que temas chamam sua atenção nos estudos mais recentes da área?
Temos alguns mais urgentes na área que são decorrentes de demandas atuais como é o caso da curricularização da extensão no ensino superior. Este, aliás, é tema de um dossiê aberto na Rebej agora. Mas temos outros recorrentes que estão presentes em artigos e eventos da área. Poderia listar aqui o dilema entre jornalismo e negócios, por exemplo. Há colegas que entendem que a formação não deve considerar conteúdos relacionados à gestão de negócios. Outra questão, que me parece não superada, tem a ver com as diretrizes curriculares. Ainda uma parte dos professores é crítico às diretrizes atuais no sentido de que o jornalismo deveria manter-se vinculado à comunicação social.
RADAR ENTREVISTA 3
Seu projeto de pesquisa atual busca compreender se existe uma superação entre teoria e prática na formação de jornalistas. Que os resultados colheu até então?
No momento, coordeno um projeto que busca mapear a produção de pesquisa aplicada em jornalismo no Brasil. Temos alguns trabalhos anteriores que também realizaram algo muito semelhante e que são importantes contribuições para pensarmos no assunto. A pesquisa está inserida exatamente nesta problemática da relação entre teoria e prática, já que os dados obtidos até aqui, a exemplo de outras pesquisas, identificam a baixíssima contribuição de pesquisas aplicadas em jornalismo nas instituições de ensino superior no Brasil. No próximo ano, o objetivo é avançar para uma parceria com um jornal em plataforma digital pensando no desenvolvimento de ferramentas que possam trazer benefícios ao jornalismo e à sociedade. Se conseguiremos avançar para algo concreto (um software, uma patente, um processo novo) não sabemos ainda. Mas este esforço eu entendo como um passo importante para a compreensão das demandas que um curso de jornalismo pode ajudar a atender. O processo, certamente, já terá valido a pena.
SECOS & MOLHADOS
Pesquisador Bruno Rebouças explica como a regulação da comunicação pode ajudar a reduzir notícias mentirosas.
Na semana que vem tem o 20º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Viram os livros que serão lançados? Para saber mais, vejam o site.
Um importante meio independente da Índia tropeçou, errou, e precisou pedir desculpas. A história mostra como é difícil, mas inadiável cobrir as big techs.
Nos EUA, tem um zunzunzum em torno de Semafor, meio criado por ex-executivos de Buzzfeed e Bloomberg. É uma aposta em novo formato e linguagem de notícias. Mas teve mudança sensível na ética jornalística?
Luz amarela no mercado internacional: analistas calculam que 700 milhões de euros em verbas publicitárias evaporaram com a pandemia.
Mais luz amarela. Agora na principal editora de jornais dos EUA, a Gannett.
Luz verde na mídia independente brasileira: The Intercept Brasil fez campanha para garantir sua sustentabilidade e conseguiu levantar R$ 578 mil, mobilizando mais de 8 mil doadores e mais de 2,6 mil novos apoiadores recorrentes. De quebra, escalou Flavio VM Costa como editor-chefe. É, o racismo estrutural na imprensa se combate posicionando profissionais negros em cargos de comando.
É difícil identificar e falar com quem ainda não confia na mídia? Algumas dicas.
Confiança na imprensa? Este é o principal problema nos EUA, segundo um dos maiores magnatas do setor.
Como os editores do Sul Global se relacionam com as big techs? O Reuters Institute fez um estudo sobre o tema, essencial para as NOSSAS redações.
AGENDE-SE
Nesta sexta, às 8h30, tem seminário da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a Université Laval (Canadá) discutindo a desinformação científica como problema público transnacional. Inscreva-se gratuitamente.
De 9 a 12, rola a Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo no Rio de Janeiro.
Está em Fortaleza? Olha só a programação do 3º Seminário Internacional Pensar e Fazer Jornalismo, do PráxisJor, que acontece no dia 8. O evento antecede o 20º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor).
Mais uma da capital cearense: no final do mês, de 25 a 27 de novembro, acontece o Seminário Nacional Sustentabilidade do Jornalismo e o 2º Encontro Estadual de Jornalistas de Imagem e Profissionais da Comunicação do Ceará.
Pra quem mora em Florianópolis, tem o curso de jornalismo humanitário, que dois de nossos pesquisadores darão.
Totalmente online, o 15º Simpósio Nacional da ABCiber recebe trabalhos até 21 de novembro, no formato de resumos.
Prazo prorrogado até dia 30 para a chamada da Sur Le Journalisme sobre diversidade das notícias internacionais.
Se você pesquisa a economia política do futebol, dê uma olhada neste dossiê organizado pela revista EPTIC. Chamadas abertas até 23 de dezembro.
Atenção para as chamadas que já passaram por aqui: desafios da comunicação organizacional nas redes (Paulus) até dia 15; consequências das mídias digitais para as democracias (Alceu), dia 21; jornalismo em contextos eleitorais (Mediapolis), dia 30; jornalismo e cultura streaming (Interin), janeiro de 2023.
Quer se qualificar? A Abraji juntou uma porção de oportunidades aqui.
Dairan Paul e Rogério Christofoletti assinam mais esta edição. A próxima chega no seu email no dia 16. Aproveite o feriado de hoje e o próximo. 2022 entrou na reta final…
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.