Pra que servem entrevistas como as do Jornal Nacional?
Edição 131: eleições pra valer + objetividade + oportunidades e chamadas de artigos
Olá, assinante!
Se você mora no Brasil ou está de olho nas nossas eleições, sabe que esta semana promete: tem entrevistas com presenciáveis no Jornal Nacional, início da propaganda no rádio e na TV e debate no domingo. Mas num cenário tão polarizado e com votos aparentemente consolidados, qual é o papel do jornalismo, afinal? Ajudar os poucos indecisos? Tentar desmascarar políticos, apontando suas contradições?
A primeira sabatina no JN reativou perguntas que precisam ser respondidas não pelo candidato, mas por jornalistas:
Uma entrevista convencional consegue extrair informações de candidatos não-convencionais? Se não consegue, deve-se adotar que formato?
Ao tratar candidatos de forma diferente, como escapar da acusação de privilegiar algum?
Como evitar que a entrevista seja só mais um palanque?
O que é mais importante: perguntar ou desmentir?
A entrevista de ontem nos leva a perguntar também:
Essas interações são capazes de trazer revelações ou novidades?
Depois delas, sabemos mais dos candidatos do que antes?
Concorrentes com menos intenção de votos “merecem” toda essa atenção?
É claro que as sabatinas e os esperados debates são importantes dentro de uma tradição de cobertura. Mas esse jornalismo ainda funciona com as campanhas nas redes sociais, enxurradas de mentiras, e candidatos que desprezam o sistema eleitoral e a própria democracia?
+ ELEIÇÕES
Falta um pouco mais de um mês para você apertar o Confirma na urna eletrônica. Apesar disso, ainda tem um monte de brechas para desinformação, discurso de ódio e perseguição nas grandes plataformas digitais. Tem muita gente preocupada com os esgotos das redes sociais, com as milícias e todo tipo de manipulação da opinião pública. Aliás, vale perguntar: a democracia aceita termos e condições?
A Artigo 19 lançou uma edição de sua revista, defendendo liberdade de expressão no contexto eleitoral. Entidades como a Fenaj, Abraji, AJOR e Intervozes lançaram uma carta falando da necessidade de defender o jornalismo numa democracia sob ataque.
3 LINKS, 2 NOVIDADES
A sobrevivência financeira é o maior desafio do jornalismo digital, aponta Carlos Castilho.
João Paulo Mallmann chama a atenção para o festival de brincadeiras no telejornalismo. Rir é mais importante que informar?
Em uma contribuição luxuosa para o nosso site, Paula Cesarino Costa fala de um tabu para as redações: o erro jornalístico.
objETHOS completa 13 anos no mês que vem e faremos um seminário sobre jornalismo, ética e cidadania. O espanhol Juan-Carlos Suarez Villegas e a argentina Adriana Amado serão nossos convidados.
Vamos aproveitar a festinha para lançar o informe Transparência no Jornalismo: o que é e como se faz? Aguarde.
PENSATA
“A sociedade que aceita qualquer jornalismo não merece jornalismo melhor"
Alberto Dines, jornalista brasileiro
RADAR ENTREVISTA 1
Três perguntas para Rafael Paes Henriques, professor de Comunicação Social (UFES) e autor do estudo “Entendimentos de objetividade entre os jornalistas brasileiros: o que se pretende ser, quando se quer ser objetivo”:
Por que a objetividade jornalística ainda é um conceito relevante para compreender as implicações éticas do trabalho de jornalistas?
Discutir ética jornalística é compreender o que significa relatar. Qual a natureza dos fatos? Em que medida é possível descrever os acontecimentos? Qual o limite da interpretação?
Pensar a objetividade é super importante para que se possa superar visões ingênuas, como a ideia de que ser objetivo é deixar que os fatos “falem por si só”, é “separar fatos de opiniões”, ser “neutro” ou sem “nenhum posicionamento”. Esses entendimentos têm implicações éticas desastrosas porque resultam em jornalismo de péssima qualidade. O jornalismo declaratório, por exemplo, muitas vezes se justifica na ideia de que o correto é o jornalista simplesmente abrir aspas a tudo o que uma autoridade pública declara, como se o seu compromisso fosse apenas com a fidedignidade da reprodução do que se disse. É daí que o populismo de extrema-direita tem retirado a oportunidade para divulgar o que lhe convém. Quanto mais “polêmica” a declaração, maior a chance de gerar repercussão, e que se dane a aderência do que se diz à realidade.
Compreender as escolhas dos profissionais passa pelo entendimento da objetividade como uma questão em três dimensões: 1) ontológica (saber como se estruturam esses acontecimentos de interesse jornalístico; por exemplo, se a natureza dos fatos possui uma determinação anterior ao relato ou se os sentidos são produzidos por ele); 2) epistemológica (certa compreensão sobre a possibilidade de acesso ao que ocorre); e 3) metodológica (caracterizar o entendimento sobre quais seriam os métodos e procedimentos mais adequados para descrever os fatos).
RADAR ENTREVISTA 2
Seu estudo verificou a percepção de jornalistas brasileiros sobre a objetividade. Quais resultados que você destacaria?
Em primeiro lugar, a falta de clareza conceitual dos jornalistas. É claro que não se esperava que eles fossem teóricos com filiações nítidas a escolas e paradigmas em Teorias do Jornalismo. Mas, como resultado, chamou a atenção a alta adesão a posicionamentos contrários.
No eixo ontológico, jornalistas parecem não ver contradição em defender uma anterioridade essencial dos acontecimentos, mas também uma postura ativa do jornalista, que atua na busca da determinação dos sentidos pré-existentes das ocorrências.
Na dimensão epistemológica, ao mesmo tempo em que reconhecem fortemente que o acesso à realidade é sempre via interpretação, os participantes parecem concordar que é preciso haver algum tipo de limite à interpretação subjetiva, apontando a contraposição entre os sujeitos (intersubjetividade) como saída possível. A subjetividade aparece, ao mesmo tempo, como um perigo e uma solução para o problema do acesso à realidade.
O eixo metodológico foi o que apresentou um resultado ainda mais difuso, com muita adesão a posicionamentos distintos. Esse resultado indica que os jornalistas da amostra não vinculam os diferentes procedimentos jornalísticos às suas origens ontológicas e epistemológicas, entendendo o problema do método de forma autônoma e independente, e indicando que procedimentos resultantes de fundamentos distintos podem, na verdade, ser complementares.
Quando confrontados com uma pergunta na qual a amostra precisou se posicionar em apenas um entendimento, os jornalistas aderiram em grande maioria à compreensão de objetividade por aproximação. Isto é, uma meta que, apesar de inalcançável, deve seguir como parâmetro da atividade de produção de informação.
RADAR ENTREVISTA 3
Estes resultados variam conforme o perfil profissional?
Não houve diferença estatisticamente relevante na adesão aos posicionamentos, mas pequenas nuances.
Quem trabalha com ensino e pesquisa concorda menos com as sentenças realistas, em comparação com quem em atua nas redações e assessorias. Isso pode indicar que a visão clássica de objetividade perde força entre aqueles com maior convívio com a leitura da bibliografia crítica da área.
Jornalistas da imprensa alternativa estão mais alinhados à dialética do que aqueles que declaram trabalhar na grande imprensa, ainda que as médias apontem para uma adesão muito moderada a este posicionamento nos dois grupos. A dialética defende que a subjetividade é complementar e até mesmo desejável no processo de conhecimento.
E os profissionais da grande imprensa concordam menos com a visão da objetividade como ritual estratégico do que aqueles que atuam na imprensa alternativa. No ritual estratégico, o método jornalístico resulta de procedimentos que visam defender jornalistas de pressões profissionais e eventuais processos judiciais. Não se discute as dimensões ontológicas e epistemológicas.
SECOS & MOLHADOS
Três repórteres brasileiros estão entre os finalistas do Festival de Fotografia Ética da Itália.
"Jornalismo e código de ética: por direitos humanos na Amazônia" é o tema do 1º Encontro de Jornalistas de Roraima, que acontece em 15 de setembro.
Já pensou uma TV cujos comentaristas desmentem os repórteres? Parece bizarro, mas é o que se viu na Jovem Pan News….
Mais bizarra é esta história: repórter revela desvio de recursos públicos, é alvo de perseguição de jornal, e depois se descobre que o filho do dono do jornal também estava no esquema.
Organização dos Estados Americanos (OEA) quer apoiar o jornalismo independente e o acesso à informação qualificada no continente. A ver…
Redes Cordiais lançaram a segunda edição do guia para influenciadores digitais. Pretende ser uma caixa de ferramentas e uma bússola de princípios.
A imprensa colabora com o sequestro dos símbolos nacionais ao ficar no 7 de setembro que os bolsonaristas estão planejando. O alerta é da Natália Viana.
Abraji traduziu relatório de acesso à informação pública na América Latina.
Fortaleça o veículo independente Periferia em Movimento, que arrecada recursos após sofrer um furto de equipamentos na sua sede.
Os públicos do jornalismo foi tema desta palestra com os professores Olivier Tredan (Université de Rennes 1 — França) e Victor Wiard (Université Saint Louis — Bélgica).
Que tal um coletivo de jornalismo infantojuvenil? Conheça COLO, iniciativa que pretende ampliar a inclusão de crianças e adolescentes nas produções da imprensa brasileira.
AGENDE-SE
Até o fim do mês (31/08) ainda é possível enviar artigo para o dossiê sobre comunicação em contexto de guerras, a ser editado pela Líbero.
Setembro será mês de evento sobre novos modelos de jornalismo na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Folha de S. Paulo está com inscrições abertas para uma turma de trainees em jornalismo de ciência e saúde. Inscrições até 4 de setembro.
E até dia 15 tem chamada aberta para um simpósio virtual sobre ataques contra jornalistas. O evento acontece em novembro.
Temas livres para o próximo número da Cambiassu. Artigos até 19 de setembro.
Encerra em 30/09 a chamada da Tríade sobre fotojornalismo.
Final de outubro tem o 9º Encontro Regional Sul de História da Mídia.
Mande seu resumo para o 2º Congreso Internacional de Investigación y Transferencia en Comunicación (Intracom): até 12 de outubro.
Também em outubro, em Portugal, tem Lusocom.
Em 2023, Mediapolis terá número especial sobre Comunicação e Jornalismo em Contextos Eleitorais. Você pode mandar artigo até 30 de novembro.
Como sempre, esta edição teve curadoria de Dairan Paul & Rogério Christofoletti. Vamos mandar a próxima em 7 de setembro, seja lá o que essa data for significar…
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.