Que tal taxar as plataformas para manter o jornalismo?
Edição 91: retrocessos na liberdade de expressão + pesquisas sobre o submundo do zap + palco pra maluco dançar
Olá, assinante!
Perguntar não ofende: todo o mundo gosta de algo grátis, mas quem topa trabalhar de graça? Pois é! A tal economia da gratuidade já arruinou muita gente e mexeu com a cabeça de todo o mundo. É cada vez mais difícil convencer as pessoas a pagarem por notícias, mas, sem dinheiro, quem se mantém?
Nas últimas semanas, entidades de classe e empresários jogaram o problema no colo das grandes plataformas. Elas devem pagar a conta. A cobrança chega num momento amargo para as big techs, pois até os EUA dão a entender que elas têm muito poder e isso não é bom. O que isso tem a ver com ética jornalística? Se pensarmos em critérios de qualidade, independência editorial e cobertura crítica, tem muito a ver…
CHEIRO DE ENXOFRE
Não é só impressão: está cada vez mais difícil fazer jornalismo! Diversos estudos e levantamentos mostram que os ataques aos profissionais se acumulam e que a liberdade de expressão, de um modo geral, diminuiu.
A Artigo 19 estima que 3,9 bilhões de pessoas - mais da metade da população mundial - vivam em países com a liberdade de expressão em “crise”, a situação mais complicada em duas décadas. O Brasil, por exemplo, vive o maior retrocesso no mundo. Na França, um professor foi decapitado. Ele ensinava o quê? Liberdade de expressão…
Repórteres Sem Fronteiras mostra as múltiplas faces da censura no país, nesta terceira parte de um trabalho de acompanhamento de liberdade de imprensa. Projeto Ctrl+X, da Abraji, identificou mais de 400 candidatos nessas eleições que pediram retirada de conteúdo na internet. A mesma Abraji contabilizou 102 casos de discursos estigmatizantes, feitos por autoridades públicas, contra profissionais de imprensa no Brasil neste ano. Monitoramento da Fenaj mostra que Jair Bolsonaro fez 299 ataques a jornalistas em nove meses.
É um inferno, mas não tem outro jeito senão resistir, denunciar e sobreviver.
NOSSOS PARÇAS
Vale muito a pena conferir um pouco do que nossos parceiros andam aprontando por aí. Fiquem Sabendo, por exemplo, explica como a nova LGPD impacta na LAI. A Coalizão Direitos na Rede publicou nota criticando o jabuti que as empresas de comunicação colocaram no PL das Fake News. A Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi) vai ter duas mesas de debates no congresso da SBPJor. Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNDC) já reúne quase 70 projetos e iniciativas só cresce! Red Ética Segura lembrou do primeiro ano da morte de Javier Darío Restrepo, referência da discussão sobre ética no jornalismo.
RADAR
No dossiê da revista Rizoma sobre Covid-19 e desinformação, bravos pesquisadores se aventuraram pelo submundo dos grupos de Whatsapp. Você já deve imaginar o objeto de estudo: propagação de conteúdo enganoso.
Caso deste artigo, que investigou um grupo formado por profissionais da saúde do Rio Grande do Norte. Em quase três meses de coleta de materiais, apenas quatro links remetiam a veículos jornalísticos. Todos os outros conteúdos eram de canais ou blogs locais, com forte conteúdo opinativo.
A autora Eloisa Klein observa que as mensagens trocadas no grupo oscilavam entre trechos bíblicos e textos agressivos contra o isolamento social. Também eram frequentes os vídeos de relatos pessoais que minimizavam a Covid-19, inclusive feitos por médicos. É a lógica da performance autêntica, que privilegia a experiência em detrimento dos sentidos de verdade no consumo das informações.
CULTURA DE DESCONFIANÇA
Já nesta outra pesquisa, também com um grupo de zap do Rio Grande do Norte, três autores destacam a dimensão afetiva no engajamento dos usuários com Bolsonaro. Independente da veracidade daquilo que compartilham, o meme #BolsonaroTemRazão é utilizado pelos seguidores como uma reação a #GloboLixo e revela sentimentos de devoção e adoração.
O que explica parte do problema é o caldo cultural político do país, argumentam Sofia Castillo, Débora Santosi e Henrique de Castro. A popularidade das fake news não pode ser desvencilhada dos valores que forjam o Brasil: autoritarismo, desigualdade social, corrupção sistêmica e mau desempenho das instituições. Tudo isso contribui para uma cultura de desconfiança nas instituições políticas e midiáticas. Quem ganha espaço nesse vácuo? O tio do zap. Ou a comunicação interpessoal, se preferir.
PALANQUE PARA O ÓDIO
Mais artigos da Rizoma: news literacy como antídoto à desinformação, fake news na Rússia e o discurso dos jornais brasileiros sobre a China durante a pandemia.
Falecido em setembro de 2019, o teórico português Nelson Traquina teve grande impacto nos estudos em jornalismo no Brasil. É o que analisam Eduardo Meditsch e Guilherme Guerreiro Neto neste artigo.
Veja as orientações editoriais de três jornais espanhois na cobertura de pautas que envolvem crenças religiosas e conhecimento científico.
Cobrir grupos de ódio significa dar palanque para supremacistas brancos? Dezoito jornalistas discutem o dilema ético em artigo da Journalism Practice.
Pesquisa do Intervozes analisa medidas tomadas pelas plataformas no combate à desinformação. Spoiler: falta transparência e organização para a remoção efetiva dos conteúdos.
Perdeu lives ou congressos nos últimos dias? A gente compila algumas: jornalismo de causas no Festival Fala, jornalismo e educação no evento da Jeduca, mesas sobre Economia Política do Jornalismo na Ulepicc e o trabalho dos jornalistas no cenário pós-pandemia, na última transmissão da SBPJor (com participação de uma pesquisadora do objETHOS!).
SECOS & MOLHADOS
“Deixei o jornalismo e comecei a viver”. Nesta reportagem da Vice, relatos nem um pouco românticos de nossa profissão. Para fortes.
Nos EUA, a C-Span suspendeu um editor por mentir. Ele dizia que sua conta do Twitter tinha sido hackeada. Não tinha.
Quanto ganha um profissional de comunicação na Espanha? Aqui alguns parâmetros, inclusive de outros países europeus. Saudade de um aumento no contracheque, né, minha filha?
Por falar em Espanha, o país tem um programa para acolhimento de jornalistas latino-americanos perseguidos, ameaçados ou censurados. É um projeto de ação humanitária que vale por três meses.
SEO não é só usar técnicas para em posicionar conteúdos. Nossa pesquisadora Lívia Vieira chama a atenção para questões éticas dessa função estratégica.
Mais um artigo da casa: Sylvia Moretzsohn critica um caso que é muito mais fake sense que fake news: a “revelação” da Folha de S.Paulo sobre o patrimônio não declarado de Guilherme Boulos.
Ontem teve um webinar que discutiu ética e segurança em produções colaborativas na Amazônia.
Pra ficar de olho: a quarta edição do Atlas da Notícia já iniciou sua campanha. O levantamento vai atualizar empresas jornalísticas que abriram e fecharam desde 2019.
Lembra da puxação de saco do narrador da TV Brasil no jogo da seleção brasileira? A ABI denunciou uso político da emissora ao Ministério Público.
Jogo sujo. Jornalistas brasileiros comentaram o caso de Robinho, condenado por estupro na Itália, e tiveram seus números de telefone vazados.
Mais jogo sujo. Editora Abril convocou dirigente sindical para voltar ao trabalho. O jornalista é presidente do sindicato de São Paulo e vice-presidente da Fenaj. A medida foi repudiada pelos colegas e pela federação.
Veja os primeiros resultados da pesquisa Jornalismo e Pandemia, coordenado por Julie Posetti. Ainda sobre reinvenção: José García Avilés habla un poquito más sobre el tema.
Como as multibilionárias empresas de tecnologia usam seu poder para influenciar jornalistas, blogueiros e youtubers? O Rodrigo Ghedin te conta nesta ex-ce-len-te reportagem.
Precisa de ajuda para verificar boatos nas eleições municipais? Comprova oferece um programa gratuito de mentoria para apoiar o jornalismo local.
O Prêmio Neusa Maria de Jornalismo dá visibilidade a produções feitas por jornalistas negras e trans. Confira quem venceu na 1ª edição.
Breaking News! Intervozes lançou ontem resultados de uma pesquisa que quis verificar como as plataformas lidaram com fake news até agora. Baixe o resumo executivo.
AGENDE-SE
A 21ª convenção da Media Ecology Association acontece em julho de 2021 na PUC-RJ. O tema não poderia ser mais pertinente: futuros distópicos. São aceitos resumos sobre desinformação, censura, algoritmos e big data até 1º de novembro, em inglês.
Faltam poucos dias para quem quer mandar artigos sobre jornalismo nas periferias para o dossiê da revista Alterjor: 3 de novembro.
Habemus prazo prorrogado: XIII Simpósio Nacional da ABCiber ampliou a entrega de artigos até 16 de novembro.
Mais prorrogação: Pauta Geral sobre jornalismo e Covid-19. Dia 15!
O dossiê da Fronteiras sobre desinformação na pandemia tem mais tempo e só precisa mandar resumo: 30 de novembro.
Semana que vem tem o 18º Congresso da SBPJor. Vai ser todo online, claro.
Chamada aberta na Media and Communication sobre novos papeis profissionais na indústria midiática. Envio de abstract até 15 de dezembro.
A Chasqui também prepara número sobre notícias falsas e discurso de ódio. Prazinho camarada: 25 de março de 2021.
Tem mais na agenda de 2021: maio é o mês do IV Simpósio Nacional do Rádio. Chamadas para resumo expandido permanecem abertas até 12 de fevereiro.
Na revista Mídia e Cotidiano, um dossiê sobre disputas éticas em tempos extremos. Pós-verdade e deep fakes são dois assuntos possíveis de ser abordados nos artigos, com prazo de envio até 14 de junho de 2021.
Os editores desta newsletter,
Rogério Christofoletti
&
Dairan Paul
, já começaram a contagem regressiva: a próxima chega até você em 11 de novembro.
Este é um produto do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.