Resistir é um gesto de ética no jornalismo
Edição 133: jornalistas em situações-limite + vitória da transparência + "desfeminilização" do jornalismo
Olá, assinante!
Às vésperas da chegada da primavera, esta newsletter poderia se vestir de cores e falar de novos ventos nas redações, mas não vai dar. Estamos na reta final de um dos períodos mais violentos dos últimos anos, particularmente para jornalistas. Assinante fiel, você sabe que a denúncia ajuda a chamar a atenção das autoridades e instituições, e também documenta esse inverno que nunca termina.
Por isso, de forma amarga, registramos alguns dos mais recentes ataques aos colegas: teve repórter assediada por torcedor, vice da PGR deslegitimando colunista, repórteres sendo expulsos de cultos evangélicos, e jornalista sendo demitida por pressão bolsonarista. Teve também deputado acossando uma profissional em pleno estúdio de TV, na frente de dezenas de pessoas, achando que os ataques estavam autorizados. Sim, ele repetiu a mesmíssima ofensa feita pelo presidente da República dias antes para a mesma jornalista…
Desde 2019, essas cenas se acumulam e isso esgota os nervos de muita gente. Seria mais prático desistir. Mas também seria a vitória dos ressentidos, violentos e autoritários. Insistir em perguntar — mesmo sabendo dos ataques de pelanca que isso pode provocar — é uma forma de reafirmar uma função social para o jornalismo: atender ao direito de saber dos cidadãos. Perguntar é resistir. Quer forma mais eloquente de atuar com ética e compromisso público?
RESPONSABILIDADES
O ataque à jornalista Vera Magalhães causou indignação de colegas e danos à candidatura de Tarcisio de Freitas ao governo de São Paulo. A atitude do aliado Douglas Garcia foi criticada até por Eduardo Bolsonaro, que não costuma defender jornalistas. Entidades lançaram nota de solidariedade a Vera, condenando a agressão. Para as entidades, o novo ataque “é resultado da onda bolsonarista de intimidação ao jornalismo”. O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa paulista investiga suposta quebra de decoro de Garcia e sua responsabilidade no episódio…
No debate sobre ética jornalística, uma primeira questão se colocou: há limites para a solidariedade em casos como este? Afinal, Vera Magalhães não é uma unanimidade entre os colegas de profissão, sobretudo os mais alinhados à esquerda. No UOL, Milly Lacombe ofereceu a melhor contribuição para pensarmos o passado recente, as cobranças por coerência, e a responsabilidade profissional de cada um.
FÚRIA DE LEÃO
Em meio à confusão provocada por Douglas Garcia, o jornalista Leão Serva avançou sobre o deputado, arrancou o celular de sua mão e o atirou longe, aos berros e xingamentos. Habitualmente calmo e contido, Serva surpreendeu pela explosão, o que só ilustrou o nervosismo da ocasião. Em entrevista à Folha de S.Paulo, argumentou que “intervir em uma cena jornalística é defensável; defender uma mulher de agressão é uma imposição moral”.
A frase exala valentia machista, mas seu autor também nos leva a pensar sobre limites de ação dos jornalistas. É claro que não se trata de um dilema como o do fotógrafo que precisa decidir se salva a menina do abutre ou se registra a cena para denunciar a tragédia. Mas Leão Serva sabe do que está dizendo; é professor de ética na ESPM, e alguns de seus alunos testemunharam a cena. Como dissemos na abertura desta newsletter, é preciso insistir com as perguntas. Vamos a elas: jornalistas podem agir em situações-limite? Devem agir? Em que contextos?
SABE O OBJETHOS?
Pois é, mantivemos a roda girando por aqui. A última quinzena foi agitada…
Saiu um livro na Espanha com capítulo de nossos pesquisadores sobre credibilidade, qualidade e inovação no jornalismo.
Cesar Valente abordou o que move o colunismo político local e identificou uma primeira vítima. Descubra qual.
João Victor Gobbi Cassol lembrou a razão de ser dos jornalistas.
Oito pesquisadores nossos participam, na próxima semana, do Congresso da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic).
A MELHOR ENTRE NÓS
Não completou nem um ano de sua defesa, e a dissertação “Transparência como valor e prática: contribuições do Projeto Credibilidade para o jornalismo brasileiro” já teve seu reconhecimento. Ela foi apontada como a melhor dissertação de mestrado em jornalismo do Brasil pela SBPJOR, a principal sociedade científica da área.
Nossa pesquisadora Denise Becker está feliz da vida com o prêmio, e nós também! Afinal, estavam na disputa 32 dissertações de 20 universidades.
Denise é a segunda do grupo a vencer a categoria Mestrado no Prêmio Adelmo Genro Filho. Em 2015, foi a vez de Lívia de Souza Vieira. Agora, Denise afivela as malas para viajar para Fortaleza, quando receberá seu prêmio, durante o congresso da entidade. Quer conhecer a dissertação premiada ou baixar um artigo com alguns dos seus resultados? Por aqui, gente!
RADAR
Se no Brasil o jornalismo é exercido majoritariamente por mulheres, por qual razão elas ainda não recebem tratamento igualitário nas redações? Porque a feminilização não leva necessariamente à feminização, explicam Andressa Kikuti, Jacques Mick e Paula Melani da Rocha. E mais: o contexto de crise do jornalismo pode reverter esse quadro, expulsando quem antes era maioria na profissão.
Feminilização é o aumento numérico da mão de obra feminina. Já feminilização se refere às alterações nas condições de trabalho pela inserção de mulheres (melhores salários, ascensão a cargos de chefia, etc.).
Kikuti, Mick e Rocha identificam indícios de uma possível “desfeminilização” do jornalismo a partir de duas surveys nacionais realizadas em 2012 e 2017. Nesse intervalo de cinco anos, há queda no número de mulheres que permanecem atuando na mídia (especialmente nos cargos de editoras e repórteres), ao contrário dos homens. Eles também detêm as faixas de renda mais elevadas, superando dez salários mínimos.
“No contexto de crise, a mídia brasileira mandou parte das mulheres para casa”, concluem as autoras do estudo. Isto é, o aumento de mulheres no jornalismo não implicou automaticamente em maior equidade na divisão sexual do trabalho. Ao menos no jornalismo mainstream, mulheres em cargos de chefia ainda são exceções, “com baixa incidência no topo da pirâmide profissional”.
MAIS 4 E-BOOKS
Fonte de receita, modelo de negócio e relacionamento com o público em sete arranjos jornalísticos empreendedores.
O jornalismo de coalizão é uma saída possível para fortalecer o ecossistema midiático, aposta Cristiane de Souza.
Emissoras públicas brasileiras realmente incorporam a prática da participação pública? Este artigo diz que não.
No combate à desinformação por agências de fact-checking, Thales Lelo propõe uma concepção de “verdade” mais plural e menos autoritária.
19 capítulos compõem o e-book “Comunicação e ciência: reflexões sobre a desinformação”, produzidos pelos grupos da pesquisa da Intercom.
“O pensamento de Boaventura de Sousa Santos e o Jornalismo”, com organização de Jorge Ijuim, também está disponível para download. 12 ensaios refletem criticamente sobre modelos jornalísticos a partir da obra do sociólogo lusitano.
Silvio Santos ou os irmãos Marinho, quem é mais rico? Se você acha que deveríamos saber mais sobre donos de TV no país, acesse nosso e-book Transparência no Jornalismo: o que é como se faz?
Não conseguiu comprar o livro em papel? Calma. Agora, você pode baixar Fake news: como as plataformas enfrentam a desinformação, do Intervozes.
Baixe também este guia de proteção a jornalistas no período eleitoral.
PENSATA
“O bom jornalismo, sabemos, não é feito por passivos ou resignados"
Javier Darío Restrepo, jornalista colombiano
SECOS & MOLHADOS
Já que citamos Restrepo, que tal outras 99 frases dele sobre ética jornalística?
Temas de religião continuam pautando vigorosamente a campanha eleitoral deste ano e sua cobertura. Rafiza Varão aborda essa tendência neste texto.
Seis indicadores para engajar aqueles que desconfiam do jornalismo.
Fernando Collor é senador da República. É candidato ao governo de Alagoas. É também dono de um conglomerado naquele estado que deve R$ 30 milhões em direitos trabalhistas aos jornalistas. Aliás, estão protestando por isso.
Na Etiópia, o Conselho de Media faz um chamamento para uma resolução pacífica no conflito que assola o nordeste do país.
Na Espanha, jornalista pediu desculpas a Vini Jr, mas não reconheceu que foi racista. No Brasil, houve críticas ao silêncio dos jornais sobre o caso.
Você achou exagerada a cobertura dos funerais da Rainha da Inglaterra? No The Guardian, contestaram o equilíbrio da BBC; Luciana Gurgel chamou a atenção para o show de relações públicas que envolveu uma mídia emocionada e obediente…
AGENDE-SE
Na próxima semana, em 27 e 28 de setembro, ocorre o V Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Ambiental. É gratuito e online.
E no dia 29 é a vez de um evento sobre novos modelos de jornalismo na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Mande seu resumo para o 2º Congreso Internacional de Investigación y Transferencia en Comunicación (Intracom): até 12 de outubro.
Falando em outubro, 25 e 26 são as datas do Lusocom, lá em Portugal.
Fechando o mês, o 9º Encontro Regional Sul de História da Mídia acontece em 28 e 29.
Novembro: XV Seminário Internacional da Comunicação, promovido pela PUCRS, acontece nos dias 17 e 18, de forma online. Diversidade, raça e gênero são os temas dessa edição.
Em seguida, de 18 a 19, ocorre o 1º Encontro Regional Sul de Ensino de Jornalismo, na PUCPR.
Chamadas abertas de artigos: Tríade (30/09 — fotojornalismo), Mediapolis (30/11 — jornalismo em contextos eleitorais), Interin (01/2023 — jornalismo e cultura streaming).
Você acabou de ler mais uma edição assinada por Dairan Paul e Rogério Christofoletti. A próxima chega em 5 de outubro, quando já saberemos se haverá 2º turno…
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.