Sem querer, CNN Brasil contribuiu para educação midiática
Edição 143: desinformação na pandemia + coberturas de feminicídios + 8 eventos e 10 chamadas de revista
Olá, assinante!
Existem situações em que os resultados ficam bem distantes do que a gente imagina. Foi assim na semana passada quando a CNN Brasil exibiu dois momentos que funcionaram como um chacoalhão na audiência.
Na sexta, 24, quando participava do CNN Arena, o ator Pedro Cardoso quebrou o protocolo do bom mocismo e criticou a orientação do programa sobre o embate Lula x Moro. De forma calma e ponderada, o convidado chamou a atenção dos telespectadores de que organizações de mídia tem interesses, que nem sempre são transparentes, e que isso pode interferir no noticiário. Teve climão! (veja a partir dos 25’55”)
No dia seguinte, querendo se esquivar de uma pergunta espinhosa, o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, tentou enquadrar Raquel Landim, perguntando se ela era mesmo jornalista. A comentarista não só confirmou suas credenciais como também lembrou que cabe aos jornalistas perguntarem, e às autoridades responderem.
Os dois casos mostram que educação midiática pode ser iniciativa de qualquer um, até mesmo de veículos jornalísticos. Basta se dispor a fazer. Quem mais na indústria de notícias se atreveria a oferecer mais oportunidades como esta de compreensão do jornalismo e seu funcionamento?
TAREFAS PARA ROBÔS
Nossa equipe poderia ter recorrido a um ChatGPT da vida para listar os textos mais interessantes sobre Inteligência Artificial das últimas semanas. Mas preferimos fazer a coisa na unha, pois nossa curadoria ainda é completamente humana e somos resistência.
O professor de filosofia Mackenzie Graham, da Universidade de Oxford, escreve: o ChatGPT não pode mentir pra você, mas isso não quer dizer que você deva confiar nele. No site Desinformante, Matheus Soares lista desafios para uma nova fase nas redes sociais com as IA. O Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo ouviu cinco especialistas para medir o que esses sistemas e robôs trazem para a indústria de notícias. Em sua página no Medium, nosso pesquisador Carlos Castilho carimba: o ChatGPT é mais marketing que ameaça ao jornalismo. Na newsletter Farol Jornalismo — uma das nossas queridinhas —, Moreno Osório e Giuliander Carpes lembram que a nossa profissão é das mais expostas à automação.
Sim, é tudo caótico ainda, mas já tem gente sofrendo as consequências de suas brincadeiras com sistemas generativos, como o jornalista que viralizou fotos falsas da prisão de Trump…
NOSSO SITE
Perdeu algo das últimas semanas?
No site do objETHOS, Aline de Oliveira Rios questionou: em meio a tantas brigas políticas e do barulho causado pela mídia hegemônica, será que os jornalistas estão sendo ouvidos?
Também teve participação do Vinicius Bressan Ferreira, que trouxe à tona o direito intelectual e os termos de monetização do conteúdo jornalístico publicado em plataformas como YouTube, que nem sempre permite que os produtores lucrem com seu próprio trabalho.
Amanhã tem defesa pública de dissertação. Nossa mestranda Vitória Ferreira mostra como o Consórcio de Veículos de Imprensa foi uma resposta do jornalismo brasileiro à desinformação na pandemia!
TODOS CONTRA ELA
Preocupadas, dezenas de entidades emitiram nota alertando sobre o acosso judicial contra a repórter Schirlei Alves, de Santa Catarina. São seis processos contra a profissional, movidos por um juiz, um promotor e um advogado. Em reportagem para The Incercept Brasil, Schirlei denunciou o caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, humilhada na audiência que julgava a acusação do estupro que sofreu. Os mesmos que pressionaram Mariana naquela sessão agora arrastam Schirlei para os tribunais… Terá a justiça brasileira equilíbrio suficiente para julgar a questão?
RADAR ENTREVISTA 1
Neste mês de março, o grupo de pesquisa Transverso — nosso “compatriota” no PPGJOR/UFSC — lançou o documentário “História Mal Contada – os feminicídios na cobertura jornalística”. Para falar mais desse projeto, conversamos com uma das coordenadoras do grupo, a professora Terezinha Silva.
Por que apresentar os resultados da pesquisa também em formato audiovisual e não apenas em artigos, livros e produções acadêmicas?
Usar outros formatos é fundamental para ampliar o público que tem contato com os resultados da pesquisa. Desde a concepção do projeto de pesquisa, a ideia era elaborar materiais educativos que colaborassem para dialogar com públicos diversos, como jornalistas, ou sociedade em geral. Isso ajuda a ampliar o próprio impacto e alcance da pesquisa para segmentos e instituições sociais diversas, como as próprias mídias e jornalistas, escolas, movimentos sociais, etc., que têm demonstrado interesse em utilizar o material para discussão em seus espaços de atuação. Livros, artigos e outras produções acadêmicas são sempre importantes, e também faremos, mas se dirigem a outros públicos.
RADAR ENTREVISTA 2
Como os veículos podem oferecer coberturas melhores (mais éticas, mais responsáveis e mais completas) sobre casos de feminicídio e violência contra a mulher?
Um primeiro aspecto seria priorizar qualidade e não quantidade de matérias veiculadas. É fundamental priorizar uma apuração com algum aprofundamento e contextualização no tratamento desses crimes, que precisam ser vistos não como casos isolados uns dos outros, mas como parte de um problema público e estrutural que é o problema das violências de gênero, que se sustentam em uma cultura machista, patriarcal, misógina. Relacionado a este aspecto, está a necessidade de acionar diferentes fontes de informação, que ajudem na interpretação e no debate do problema a partir de sua dimensão estrutural. É essencial ouvir pessoas que pesquisam ou atuam há muito tempo sobre o tema das violência de gênero, como é o caso de movimentos sociais, de mulheres e feministas, que são pouco consideradas nas pautas jornalísticas. É importante não limitar-se apenas às informações fornecidas pela polícia, o que acaba reduzindo os feminicídios a um problema policial. É necessário que mídias e jornalistas cobrem mais cotidianamente a criação ou ampliação de políticas públicas para o enfrentamento do problema.
RADAR ENTREVISTA 3
Que outros tipos de pautas poderiam ser explorados?
As coberturas cobram muito pouco ou quase nada das autoridades e poderes públicos. Há uma série de pautas que poderiam ser feitas, desdobradas, envolvendo diferentes fontes, desde familiares e pessoas próximas das vítimas até as autoridades públicas e instituições diversas. Uma cobertura mais qualificada, do ponto de vista do compromisso social e ético das mídias e de jornalistas, implica, assim, em uma apuração mais cuidadosa, com diversidade de fontes. Isso colabora para uma melhor compreensão pública sobre os feminicídios e suas causas; para a produção de relatos que sejam sensíveis ao lugar da vítima e não reproduzam falas que ainda culpabilizam a vítima pela violência sofrida.
RADAR ENTREVISTA 4
Como a pesquisa pode contribuir para mudanças significativas e mais amplas?
Ela colabora ao identificar alguns avanços que poderiam ser potencializados. É o caso do uso mais generalizado do termo feminicídio para definir estes crimes com motivação de gênero, uma maior divulgação de canais de denúncias que ainda poderia ser ampliada, entre outros. Colabora, principalmente, ao indicar também as limitações de um padrão de cobertura que necessita ser repensado, como mencionei na resposta anterior e como outras pesquisas já vêm apontando faz tempo.
De um modo mais amplo, a pesquisa traz dados apreendidos da cobertura das mídias analisadas e que dizem não apenas da própria cobertura, mas também da forma como a sociedade em geral lida com o problema das violências de gênero. São dados que estarão em outros produtos resultantes da pesquisa, como artigos, capítulos de livro, relatórios, etc., a partir dos quais esperamos contribuir com as instituições encarregadas de pensar e elaborar políticas públicas. A produção midiática e jornalística é um espaço central de produção e circulação de sentidos sobre os problemas públicos e sobre as possibilidades de tratá-los. É fundamental, portanto, levar em conta esta produção ao se pensar políticas públicas de prevenção e enfrentamento das violências de gênero e dos feminicídios.
SECOS & MOLHADOS
Quer elevar o nível dos comentários nas notícias? A ombudsman do El País tem cinco propostas.
“Não somos engrenagens de uma máquina, mas seres humanos”. Um apelo aos gestores das redações para que se importem mais pela saúde mental e bem-estar de suas equipes.
Já sabíamos disso, mas um estudo suíço acaba de mostrar: Google lucra muito com o conteúdo multimídia que surrupia do jornalismo. Alguém lembra do mantra do buscador de anos atrás? “Don’t be evil”…
Outro estudo do mesmo país mostra que manchetes e títulos negativos impulsionam mais o consumo de notícias online. Triste…
Falamos acima do caso Schirlei Alves, mas tem o da Juliana Dal Piva também. TJSP deve julgar em breve o episódio em que o advogado Frederick Wassef ameaçou a jornalista…
Mais um caso nojento de racismo na imprensa brasileira.
Já pensou uma lei modelo de proteção dos jornalistas? Os chilenos pensaram.
Mentiras tentam ligar o PCC a um veículo crítico e independente. Os bueiros do ódio ainda não foram totalmente fechados…
O governo argentino fixou novos critérios para distribuição de verba publicitária, ampliando equilíbrio e pluralidade. Será que agora a coisa vai?
Você também pode ter caído nessa: era falsa a imagem do Papa estilo Michelin.
AGENDE-SE
É hoje o lançamento do relatório da Abraji sobre monitoramento de violência contra jornalistas. O estudo de 2022 revela aumento no número de ataques totais em comparação com 2021. Acompanhe o lançamento às 19h no Youtube.
16 de abril é o dia do 16º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital. Participação gratuita e virtual, mas é preciso fazer registro aqui.
Mídia e diversidade é o tema deste ano do Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura, o EPECOM. Sediado na Universidade de Sorocaba, o evento recebe trabalhos até 14 de junho.
Chamada aberta para o dossiê “Desinformação, Extrema Direita e Manipulação”, da Revista Sociais e Humanas (UFSM). Prazo: 10 de junho.
Na UEPG, a revista Pauta Geral publicará uma edição sobre jornalismo e decolonialidade. Textos podem ser submetidos até 2 de maio.
E na UFSC, jornalismo artificial será tema do próximo número a ser editado pela Estudos em Jornalismo e Mídia, com prazo até 20 de junho.
Alguns prazos da newsletter passada estão bem perto de vencer. Lembre-se: 13º Congresso Internacional da ULEPICC (30 de março), 10º Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo (31 de março), dossiê sobre jornalismo e ativismo (Brazilian Journalism Research — 31 de março).
Outros que já passaram por aqui e têm prazo maior: 24º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (14 de abril), conferência Ética, Urgência e Jornalismo Climático (28 de abril), Festival 3i (5 de maio).
Nas revistas acadêmicas, temos dossiês sobre impacto da desinformação nas rotinas profissionais (Estudios sobre el Mensaje Periodistica — 14 de abril), comunicação e marxismo, e reforma das telecomunicações (Eptic — 30 de abril), jornalismo como profissão de luta (Sur le journalisme — 31 de maio), comunicação e democracia na América Latina (Mídia e Cotidiano — 04 de junho), meios e transição democrática (Mediapolis — 15 de junho), sustentabilidade dos meios de comunicação (Ámbitos — 30 de setembro). Ufa!
Natália Huf, Dairan Paul e Rogério Christofoletti assinam esta edição.
A próxima chegará pra você em 12 de abril.
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.