Todo mundo em campanha, até o jornalismo
Edição 135: adeus, isenção + jornalista que mente + desertos de notícia e desenvolvimento social
Olá, assinante!
Nem vamos perguntar como está o clima das eleições por aí porque todos os termômetros derreteram, né? Talvez seja impossível ficar indiferente à pororoca de esgoto das últimas semanas, uma enxurrada que arrastou até quem se preocupa em manter a aparência de isenção, como o jornalismo.
A Folha de S.Paulo rasgou a fantasia e ostentou sua exuberância neoliberal ao publicar editorial na capa enquadrando Lula. Foi criticada severamente por Cristina Serra, Jânio de Freitas e pelo ombudsman, José Henrique Mariante. Escancarada na sua preferência, a Jovem Pan está na mira do TSE, sob suspeita de privilegiar Bolsonaro na sua “cobertura”. Na capa, a Isto É grita a plenos pulmões que reeleger o presidente é dar carta branca para sua tentação autoritária.
Em outros pleitos, veículos como Carta Capital e O Estado de S.Paulo manifestaram suas preferências em editoriais, mas desta vez, parece diferente. Além da atmosfera de Fla-Flu, há queixas sobre o papel do jornalismo em naturalizar a extrema-direita e até de incentivar classismo e xenofobia. Não só os candidatos, mas o jornalismo também está sendo chamado a responder por suas escolhas. Ele vai dar conta disso?
POSIÇÃO
A Fenaj e 28 sindicatos de jornalistas lançaram uma carta aberta em defesa do voto em Lula, “a única candidatura que tem compromisso com os direitos e as conquistas civilizatórias”. Entre outros aspectos, as entidades criticam a institucionalização da violência do governo Bolsonaro contra jornalistas e o aparelhamento e desmonte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Não é pouca coisa.
JORNALISTA NÃO!
Antes de vestir a faixa presidencial, Bolsonaro já atacava o jornalismo. Mas não é que sua campanha recorreu a uma jornalista para ser a porta-voz de seus ataques ao adversário? Com passagens por SportTV, Band News e TV Record, Carla Cecato foi temporariamente afastada da Jovem Pan News após aceitar fazer parte da propaganda eleitoral do candidato do PL. Deve retornar assim que a campanha acabar. Não sabemos se para o jornalismo, pois já tem gente resgatando vídeos contraditórios de Cecato e colega de profissão associando a apresentadora à difusão de mentiras. Quem acredita em jornalista que mente?
PENSATA
“Todos os jornalistas devem ter um sentido pessoal de ética e responsabilidade — uma bússola moral. Mais ainda, eles têm uma responsabilidade de dar voz, bem alta, a sua consciência e permitir que outros ao seu redor façam a mesma coisa."
Bill Kovach e Tom Rosenstiel, jornalistas estadunidenses
RADAR
De acordo com o último levantamento do Atlas da Notícia, 5 em cada 10 municípios brasileiros não dispõem de veículos de comunicação. São os desertos de notícia, termo que você já deve ter ouvido falar por aí.
E quanto menos jornalismo, menos cidadania. Essa é a hipótese que Elaine Javorski e Janine Bargas exploram em estudo sobre a região de Carajás, no sudeste do Pará. Dos seus 32 municípios, quatro não possuíam nenhum veículo, enquanto em 12 cidades foram encontradas apenas uma empresa de mídia — são os chamados “quase desertos”. O meio predominante é o rádio, com 42 emissoras, seguido de TV, 24.
Ao cruzarem diferentes fontes de dados socioeconômicos e demográficos, as pesquisadoras confirmam que municípios com maior Índice de Desenvolvimento Humano são aqueles com maior presença de mídias locais.
É também relevante o papel dos cursos superiores de comunicação, já que projetos de extensão universitária incentivam a formação de novas iniciativas jornalísticas. Profissionalizar pessoas para atuar na área é um caminho possível para suprir a carência informacional, concluem.
PROTEÇÃO
Edição imperdível da revista Eptic sobre políticas de comunicação para um Brasil democrático. O artigo que comentamos no bloco anterior saiu de lá!
Uma agenda de pesquisa para um tema inadiável: segurança de jornalistas. Artigo aberto na Journalism Practice.
A moderação de conteúdos nas redes sociais afeta o jornalismo? Este estudo diz que sim, e mostra como impacta também o direito à informação.
SECOS & MOLHADOS
Brasília (DF): o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem apresentou queixa-crime contra dois jornalistas. Imagine como tratará outros repórteres agora que foi eleito deputado federal…
Aparecida (SP): jornalistas foram hostilizados por bolsonaristas no dia da santa.
Goiânia (GO): um vereador do MDB ofendeu e ameaçou publicamente um repórter da CBN.
Vitória (ES): carro da TV Tribuna é incendiado; repórter foi rendido e agredido.
A situação é tão terrível que a Abraji está oferecendo curso de segurança física pra jornalista. Vai vendo…
Em outras partes do país, jornalistas são impedidos de cobrir a passagem de Bolsonaro por templos evangélicos. Tá certo isso?
Nosso pesquisador Álison Coelho alerta: o braziu pode decidir as eleições no Brasil…
Bizarro: com o objetivo de desinformar, site bolsonarista descontextualiza entrevista da coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação!
Em Portugal, o diário Público suspendeu um jornalista por suspeita de plágio.
Nos EUA, debatem se jornalistas podem guardar informações para abastecer seus livros-reportagem e lucrar com isso…
Objetividade jornalística é superestimada, e o que importa mesmo é transparência, precisão e justiça. Quem afirma é o jornalista Issac J. Bailey.
AGENDE-SE
Amanhã e sexta tem o 3º Encontro do Centro Internacional de Ética da Informação.
Outubro tem mais quatro eventos até terminar: Lusocom (25 e 26), e 9º Encontro Regional Sul de História da Mídia (28 e 29). No último dia do mês (31), data prorrogada de resumos para o 2º Congreso Internacional de Investigación y Transferencia en Comunicación e o Pensacom Brasil 2022.
Em novembro rola o 1º Encontro Regional Sul de Ensino de Jornalismo.
Está em Florianópolis? Que tal um curso de jornalismo humanitário?
Na revista Alceu, um dossiê sobre as consequências das mídias digitais para as democracias. Pertinente, não? Organize-se para enviar artigo até 21 de novembro.
Atenção para as chamadas que já passaram por aqui: desafios da comunicação organizacional nas redes (Paulus) até 15 de novembro; jornalismo em contextos eleitorais (Mediapolis), dia 30 do mesmo mês; jornalismo e cultura streaming (Interin), janeiro de 2023.
Dairan Paul e Rogério Christofoletti, curadores desta newsletter, estão em contagem regressiva para a próxima edição, em 2 de novembro. É, não vai rolar feriado…
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.