Lições do 1º turno para o jornalismo
Edição 134: desafios da cobertura eleitoral + confiança na mídia e nas redes sociais + indiferença às notícias
Olá, assinante!
Toda eleição é um processo pedagógico. Ensina aos políticos, partidos, eleitores e também a jornalistas. Embora a fatura tenha sido liquidada para senadores, deputados e para 15 governadores, ainda falta bastante para passarmos a régua no pleito de 2022. Há quatro loooooongas semanas pela frente! Mas as redações já podem tirar alguns aprendizados…
Promover debates sem checadores deixa candidatos manipuladores à vontade para mentir. Às vésperas da votação o perigo aumenta! A Lupa fez aqui o que a TV Globo deixou de fazer, por exemplo….
As redações precisam escapar do dilema de criticar e alimentar a polarização.
O jornalismo ainda patina e não consegue cobrir o que se passa nas redes sociais e em grupos de mensagens instantâneas. É um ponto cego que aumenta a cada ano. Vamos precisar de ajuda nisso…
Fazer das pesquisas a “espinha dorsal” das coberturas é um problema.
A eleição de candidatos comprometidos com a desinformação traz novos desafios para os jornalistas.
Talvez não dê tempo de assimilar essas lições e aplicá-las no 2º turno, mas tê-las à mão certamente nos prepara para as próximas eleições.
+ ELEIÇÕES
Em gesto inédito, dezenas de veículos alternativos — como o Farol — manifestaram apoio a Lula no 1º turno. Isso vai além do debate sobre isenção jornalística, já que os signatários não renunciam à obrigação de cobrar e fiscalizar o candidato, se eleito.
FNDC aproveitou e entregou à campanha de Lula propostas para redemocratizar a mídia no país. A ideia é comprometê-lo a enfrentar a espinhosa questão.
Violência política e insegurança resultaram em mais vítimas: o jornalista Leandro Demori e sua família deixaram o país antes das eleições.
Para pensar em eleições e moralidade, veja este texto da BBC News Brasil.
Desinformação eleitoral: 57% dos evangélicos acreditam na fake news do fechamento dos templos…
Fenaj alerta que jornalistas têm deveres éticos e devem comprometer-se com a democracia. Vale também para o 2º turno, tá?
CALA BOCA JÁ MORREU
Você viu, mas não custa repetir e registrar.
A dez dias das eleições, um desembargador censurou reportagens do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro. Houve indignação generalizada e entidades como a Fenaj condenaram a censura judicial. Não demorou muito para o ministro André Mendonça (!) derrubar a decisão. Antes disso, o UOL reagiu com armas do próprio jornalismo e levantou a ficha do juiz censor.
O episódio mostrou que a sociedade está atenta a certas arbitrariedades, e que, às vezes, esconder é uma forma desastrada de chamar mais a atenção. Longe de nós tratar disso nesta newsletter. Já pensou se a gente linka a matéria aqui e aqui? 😉
Ó NÓIS!
Não são apenas os candidatos que prestam contas nesta eleição. Aqui no objETHOS estamos sempre contando o que se passa por aqui. Nas duas últimas semanas…
Participamos do 16º Congresso da Alaic, na Argentina!
Nossos pesquisadores tiveram aceites para apresentar sete trabalhos no 20º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, em novembro em Fortaleza.
Recebemos reforços na equipe.
Participamos do 12º Pentálogo do Ciseco. Assista ao vídeo.
Cesar Valente comentou sobre a série de reportagens que o Jornal Nacional exibiu sobre a Constituição brasileira.
Luiza Mylena Costa perguntou: evitar notícias é uma questão para o jornalismo?
PENSATA
“Toda pauta também pode ser uma arma de combate: ela pode servir para ir de encontro a uma desumanização também alimentada pelo jornalismo. É uma tecnologia à disposição de um agir."
Fabiana Moraes, jornalista e professora
RADAR ENTREVISTA 1
Três perguntas para Camila Mont’Alverne, pesquisadora de pós-doutorado no Reuters Institute for the Study of Journalism (Universidade de Oxford) e uma das autoras do relatório “The trust gap — How and why news on platforms is less trusted than news in general”.
A pesquisa identifica uma particularidade do Brasil: os níveis de confiança sobre notícias publicadas no Google e Whatsapp são mais altos do que na mídia. Como você interpreta esse dado?
Há um elemento de familiaridade com as plataformas, que são usadas por parcelas significativas do público brasileiro (53% dos respondentes dizem usar o Google e 84% o WhatsApp), além da percepção sobre a utilidade delas. Nós tivemos indícios disso em entrevistas qualitativas que fizemos no início do ano, e esses dois pontos parecem-me fundamentais para explicar os níveis altos de confiança em Google e WhatsApp. Adiciono o fato de que boa parte dos brasileiros não têm relações consolidadas com as empresas jornalísticas e se informam por mídias sociais, um possível reforço nas relações com plataformas que oferecem serviço satisfatório no ponto de vista delas. Google e WhatsApp são as duas sobre as quais mais participantes brasileiros disseram ter sentimentos positivos.
Também é importante levar em conta o perfil de quem diz confiar em Google e WhatsApp, comparado com quem confia nas notícias em geral. No caso do Google, há uma sobreposição com aqueles que confiam mais na mídia em geral (mulheres, pessoas mais jovens e com maior grau de interesse político), o que indica que confiança na plataforma não se dá necessariamente em detrimento de confiança nas notícias em geral.
No caso do WhatsApp, há um perfil diferente em alguns aspectos. Pessoas menos escolarizadas e mais velhas são as que tendem a ter maior grau de confiança na plataforma — nível de interesse político não é um preditor nesse caso. A combinação desses elementos particulares do caso brasileiro provavelmente ajudam a explicar por que existe a diferença quando comparado com os outros países.
RADAR ENTREVISTA 2
Brasileiros desconfiam mais de notícias sobre política do que notícias em geral. Quais fatores contribuem para isso?
Esse é um dos dados mais interessantes, na minha percepção, especialmente porque os resultados do Brasil são tão mais baixos que nos outros países [Índia, Reino Unido e Estados Unidos]. Acho que há uma combinação de fatores nesse caso. Primeiro, o ambiente político conturbado e a campanha duradoura de descredibilização do jornalismo profissional, com especial incentivo ao ceticismo sobre a cobertura política. Conectado a isso, o ambiente político contencioso faz com que as pessoas tenham reservas ao falar sobre política e tentem se afastar do assunto. Na dúvida, encaram quase qualquer coisa que tenha a ver com política com desconfiança — e isso inclui a cobertura jornalística. Uma indicação desse afastamento são os resultados sobre interesse em notícias sobre política: no Brasil, apenas 18% dizem que são muito ou extremamente interessados nelas; nos outros países, pelo menos 35% dos entrevistados disse o mesmo. Parece haver, então, um cenário de exaustão depois de praticamente uma década de conflitos políticos, que se exacerbam com um governo abertamente hostil ao jornalismo.
Além disso, o jornalismo brasileiro foi instituição relevante nos acontecimentos políticos dos últimos anos, o que inevitavelmente fez com que diferentes parcelas da sociedade tenham críticas ao trabalho da mídia. Atualmente, a extrema direita é mais vocal nas críticas e ataques ao jornalismo, mas há alguns anos a desconfiança estava mais aflorada entre esquerdistas — e, certamente, não desapareceu por completo.
RADAR ENTREVISTA 3
Pessoas acessam as plataformas para se conectar com outras ou mesmo como passatempo, tendo o consumo de informação em segundo plano, segundo o estudo. O que essa indiferença ao jornalismo representa para as empresas de mídia e quais caminhos você sugere para superá-la?
Na minha perspectiva, a indiferença é a grande preocupação que os dados revelam. Boa parte dos cidadãos não veem relevância no produto oferecido pelo jornalismo tradicional nem são capazes (ou estão interessados) de distinguir entre diferentes fontes de informação — e, quando em dúvida, adotam um ceticismo generalizado. É responsabilidade do jornalismo mostrar a sua importância e o que estar informado por notícias produzidas profissionalmente agrega para o cidadão. Para mim, este é o grande desafio, porque boa parte das estratégias adotadas pelo jornalismo para se aproximar das audiências tende a dialogar com aqueles grupos que já estão interessados e já têm alguma relação com as empresas. Há, porém, um contingente relevante que não é necessariamente hostil ao jornalismo, mas que precisa ser atingido nos espaços em que frequenta.
Para algumas organizações, o espaço para fazer isso é nas plataformas. Para outras, podem ser estratégias mais direcionadas de engajamento com a comunidade. Ou, ainda, investir na diversificação da cobertura para atingir grupos que não se sentem contemplados. Não há como usar a mesma solução para todos os casos e as plataformas podem, ao mesmo tempo que ampliam o alcance, tornar mais difícil a distinção entre diferentes marcas, o que aumenta o desafio. Mas, se a ideia é fazer um produto que atinja grupos além dos politicamente interessados e mais privilegiados, estratégias alternativas que não dependam de uma relação profunda com as marcas precisam ser consideradas.
ERRAMOS!
Leitores mais atentos notaram um erro no Radar da edição passada. Repetimos uma palavra, feminilização, e confundimos dois conceitos distintos.
Explicando: feminilização é o aumento numérico da mão de obra feminina. E feminização são as mudanças nas condições de trabalho devido à inserção de mulheres.
Notou mais algum deslize? Conta pra gente: objethos@gmail.com
Ah, também aceitamos elogios! 😎
SECOS & MOLHADOS
Lembra do ditado de que jornalista não tem amigos? Este texto retoma o debate.
Quem pode salvar a imprensa? Carlos Castilho arrisca respostas.
Concentração e financeirização da mídia preocupam o Observatoire des Médias. Ainda bem que esse é um problema só da França, né?
Precisamos ensinar aos estudantes de jornalismo que há assédio na profissão. Alô, gringos, já fizemos isso neste dossiê onde Janara Nicoletti trata de precarização.
10 coisas para saber sobre inteligência artificial e jornalismo.
Ética jornalística: entre o interesse público e o interesse do público.
“Os jornalistas devem estar dispostos a serem demonizados como traidores”. Será mesmo, mister Gay Talese?
28 de setembro foi Dia Internacional do Acesso Universal à Informação. A Transparência Brasil lembrou que informação é um bem público.
Jornalismo e horóscopo combinam? Este artigo da Red Ética Segura faz pensar.
Presidente da ANJ disse em evento no exterior que o precisamos de um acordo global em favor do jornalismo. Foi na Espanha, de onde também saiu apelo para que as grandes plataformas digitais sejam reguladas.
AGENDE-SE
Mande seu resumo para o 15º Seminário Internacional da Comunicação (PUC-RS) até 10 de outubro. E também para o 2º Congreso Internacional de Investigación y Transferencia en Comunicación (Intracom), no dia 12.
Inscrições para o prêmio Livre.Jor Mosca vão até dia 13.
Oito oportunidades para jornalistas com inscrições neste mês!
20 e 21 de outubro são as datas do 3º Encontro do Centro Internacional de Ética da Informação: América Latina & Caribe.
Mais dois eventos para o final do mês: Lusocom (25 e 26), e o 9º Encontro Regional Sul de História da Mídia (28 e 29).
Para novembro, que tal o 1º Encontro Regional Sul de Ensino de Jornalismo, na PUC-PR? Será nos dias 18 e 19.
Tem ainda essa chamada sobre desafios da comunicação organizacional nas redes sociais, da revista Paulus, até 15 de novembro. E outras duas que já passaram por aqui: Mediapolis (30/11— jornalismo em contextos eleitorais) e Interin (01/2023 — jornalismo e cultura streaming).
Dairan Paul e Rogério Christofoletti assinam esta edição. Cheque a sua caixa postal em 19 de outubro. Se o anti-spam não atrapalhar, terá mais uma newsletter fresquinha por lá.
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.