Podemos cobrir massacres escolares com mais responsabilidade?
Edição 144: fact-checking do governo + big techs e jornalismo + paywall e desinformação
Olá, assinante!
A resposta ao título desta edição é “sim, podemos!”.
Embora seja um trabalho deprimente, penoso e particularmente difícil para quem tem filhos, fazer coberturas de ataques a escolas e creches é uma tarefa que depende de capacitação técnica e ética. Os recentes casos em São Paulo e Blumenau desafiam a sociedade a combater um tipo de violência que não tínhamos no radar. E desafiam as redações a cobrir essas ocorrências com mais equilíbrio e foco.
Num curto intervalo de tempo, alguns meios calibraram suas coberturas e adotaram políticas editoriais menos espetaculosas. Mas é preciso ir além, evitando não só promover os agressores, mas também proteger as vítimas e suas famílias. É também necessário refletir sobre a função de noticiar essas tragédias, e se preparar para essas coberturas, pois nada nos garante que novos episódios acontecerão. Infelizmente.
Como começar? Sugerimos alguns caminhos:
Recomendações da Jeduca, a Associação de Jornalistas de Educação
Cuidados éticos para repórteres no ambiente escolar
Um guia do Dart Center sobre jornalismo e trauma (em inglês)
Aspectos a considerar em coberturas escolares típicas e atípicas
Um recente podcast da Pública para ir além das ocorrências, e pensar sobre violência nas redes, machosfera, misoginia e extremismos no Brasil.
GOVERNO EM CAMPO
O terreno da comunicação é sempre muito sensível em qualquer gestão. Se Bolsonaro escolheu jornalistas como inimigos desde o começo e radicalizou geral, havia muitas expectativas sobre como Lula trataria o setor. Em menos de 100 dias, o novo governo acenou com a criação de um observatório para acompanhar a violência contra esses profissionais, promoveu coletivas civilizadas, e avançou em áreas mais delicadas, como a regulação das plataformas e o combate à desinformação.
O primeiro tema vai exigir muita negociação no parlamento e estratégias para rebater o gigantesco lobby das big techs. O governo sabe da complexidade da coisa, mas não dá sinais de que vá fugir da raia. O site Desinformante explicou a proposta tim-tim-por-tim-tim. A Lupa mostrou as mudanças do PL2630 em três anos.
Já o combate à desinformação causou um ruído que não ajuda muito. A Secom criou um site com “checagens” que é pouco transparente na metodologia, seletivo nos desmentidos e que recicla o trabalho das agências de fact-checking sem dar créditos. A chiadeira não foi pouca, gerou debates e isso pode levar a um recuo estratégico. O tema também não é simples, mas duas perguntas precisam ser respondidas: Podemos deixar de fora o combate na luta contra a desinformação? As agências de verificação têm o monopólio da checagem?
NOSSO SITE
Também metemos o nosso dedo na discussão sobre a campanha “Brasil Contra Fake”. Vitória Peraça Ferreira escreveu sobre isso…
Aliás, Vitória defendeu sua dissertação e se tornou mais uma mestra em jornalismo.
Retomamos o projeto ObjETHOS nas Escolas, uma iniciativa de educação midiática para estudantes do ensino médio de escolas públicas.
Por ocasião dos 59 anos do Golpe Militar, Raphaelle Batista escreveu sobre o que esse marco representa hoje.
Realizamos com o PPGJOR o 1º Colóquio Brasil-Espanha de Pesquisa em Jornalismo.
PROCURAMOS INDEPENDÊNCIA
Regular as plataformas tem a ver com frear desinformação, extremismo e discurso de ódio, com impor limites num mercado super-concentrado e com remunerar jornalistas e criadores pelo uso predatório de seus conteúdos. Mas também podemos aproveitar e debater outros temas espinhosos, como a dependência tecnológica do jornalismo e a perda de sua independência diante dos tentáculos das big techs.
Já tratamos disso (aqui e aqui), mas Sergio Spagnuolo voltou à carga, informando que Google vai reunir jornalistas num resort de luxo em São Paulo para “discutir o futuro do jornalismo”. Como ele mesmo diz, nada de ilegal ou obscuro, mas você não se preocuparia se percebesse como as plataformas vêm se embrenhando no mundo jornalístico nos últimos anos com “apoios” diversos?
A questão não é recusar dinheiro das plataformas, mas como jornalistas e meios podem garantir suas liberdades editoriais, autonomias e independências.
RADAR 1
A desinformação é um dos maiores desafios enfrentados pelo jornalismo e pelos jornalistas hoje. Mas… será que avisar os leitores sobre seus perigos pode afetar a credibilidade dos meios? Essa é a pergunta que os pesquisadores Toni van der Meer, Michael Hameleers e Jakob Ohme buscam responder em artigo publicado na Journalism Studies.
De acordo com o estudo, esforços para alertar sobre desinformação podem levar os públicos a confiar menos nas notícias, por mais que elas sejam confiáveis e factuais. O debate público sobre a onipresença da desinformação tem, segundo os pesquisadores, potencial para reduzir a confiança na mídia e a capacidade de identificar notícias reais. Vale a leitura para questionar e repensar as estratégias.
RADAR 2
Em artigo publicado no periódico Journalism Practice, uma equipe de pesquisadores das universidades Ghent, na Bélgica e na Áustria, discutem um assunto que nunca sai de moda: o paywall. Com um olhar voltado à diversidade de temas abordados, foram analisadas mais de 287 mil notícias publicadas em portais digitais da região de Flandres (Bélgica), buscando identificar se e como a presença do paywall impacta na pluralidade de temas a que o público está exposto.
No estudo, os autores identificaram que os conteúdos por trás do paywall costumam ser um pouco mais diversos, mas as diferenças são quase mínimas em relação aos com acesso livre. Além disso, contrariando a hipótese de trabalho, a análise mostrou que jornais populares possuem conteúdo mais diverso do que os chamados “quality papers”.
SECOS & MOLHADOS
Precarização: jornalistas portugueses mais esgotados que enfermeiros!
Mais precarização: no Canadá, um grupo de mídia manda seus jornalistas trabalharem de suas casas, e planeja alugar o espaço da redação.
Memória: há 100 anos nascia o jornalista Claudio Abramo.
Mais memória: Aos fatos lançou o GolpeFlix, catálogo digital das mentiras que levaram ao 8 de janeiro.
Útil: Cajueira montou um mapa do jornalismo independente no nordeste.
Útil também: InternetLab elaborou um guia de mídia digital brasileira.
Representatividade: cobrir pessoas trans é uma questão de ética jornalística.
Você sabe o que é jornalismo sistêmico? O João Peres explica.
A espanhola Fundación AtresMedia está recheando suas redes sociais com conteúdos de alfabetização midiática.
Já pensou uma IA para detectar discurso de ódio contra jornalistas na América Latina?
Lula tirou a EBC da lista de privatizáveis.
Fenaj e sindicatos retomam luta pela volta do diploma de jornalista.
André Lemos defende a regulação das plataformas digitais em artigo no jornal Correio.
AGENDE-SE
16 de abril é o dia do 16º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital. Participação gratuita e virtual, mas é preciso fazer registro aqui.
Envio de resumos até 15 de maio para um dossiê sobre autoritarismo e mobilização online, na Mídia e Cotidiano.
Ainda dá tempo para se inscrever no 24º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (14 de abril), na conferência Ética, Urgência e Jornalismo Climático (28 de abril), no Festival 3i (5 de maio) e no Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura (14 de junho).
Nas revistas acadêmicas, temos dossiês sobre impacto da desinformação nas rotinas profissionais (Estudios sobre el Mensaje Periodistica — 14 de abril), comunicação e marxismo, e reforma das telecomunicações (Eptic — 30 de abril), jornalismo e decolonialidade (Pauta Geral — 2 de maio), jornalismo como profissão de luta (Sur le journalisme — 31 de maio), comunicação e democracia na América Latina (Mídia e Cotidiano — 04 de junho), desinformação, manipulação e extrema direita (Revista Sociais e Humanas — 10 de junho), meios e transição democrática (Mediapolis — 15 de junho), jornalismo artificial (Estudos em Jornalismo e Mídia — 20 de junho), sustentabilidade dos meios de comunicação (Ámbitos — 30 de setembro). Ufa!
Natália Huf, Dairan Paul e Rogério Christofoletti produziram esta edição.
Esta newsletter é uma realização do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.